sexta-feira, 3 de junho de 2011

Um a mais

Um dos traços predominante na sociedade “contemporânea” é o conformismo. Pode anotar que esta zona de conforto em que grande parte da população mergulhou é uma tremenda roubada. A maioria das pessoas anda acomodada com tudo, com dificuldades para se mexer, fingindo ser feliz num casamento falido, deixando de abrir a mente para arejar e afastar o cheiro de mofo, sufocando numa vida de janelas fechadas, nem aí pros escândalos na política, achando cada vez mais normal o que sempre vai me cheirar a problema. Tem frases que expressam esta minha tese com clareza.

Estou zanzando pelo supermercado, passo por duas amigas conversando e ouço uma delas alardear: “Menina, um jovem morreu assassinado, hoje de manhã, pertinho da minha casa”. Com cara de paisagem e parecendo que acabara de ouvir simplesmente o preço do pão de sal, a outra respondeu: “Ah, este tipo de coisa acontece toda hora. Já estou até acostumada. É só mais um, amiga. Mas, então, o que vamos fazer hoje à noite?”.

Doido para me intrometer, passei batido da cena, porém, minha vontade foi cutucar os ombros da tal “menina” e falar: “Sinto lhe dizer, querida, mas não é só um a mais. É um ser humano a menos no mundo, é mais sangue sendo derramado, é menos um sonho, é mais uma mãe desesperada, é menos um voto para provocar mudanças, é mais uma chance de a violência chegar na sua casa, é menos falta de consciência da sua parte pensar deste jeito”.

Acomodados com as tais manchetes dos jornais, estamos nos acostumando a achar normal o que deveria nos preocupar – e muito. Vêm os escândalos na política e exclamamos: “É só mais um!”. Descobrimos que o filho de fulano de tal só quer saber de cocaína e pensamos “É só mais um!”. Lemos que morreu mais uma vítima das balas perdidas e fazemos pouco caso: “É só mais uma”.

E se o tiro fosse num filho da gente ou no da melhor amiga? E se o dinheiro que roubaram do idoso fosse o que você está juntando para comprar a sua casa própria? E se você não percebesse que seu próprio filho se viciou nas drogas, enquanto você só pensava em esmaltes e em quantas calorias tem um brigadeiro? E se a atual crise no Congresso Federal impedir o aumento do seu salário? E se os seus sonhos forem por água abaixo por causa do mais um de ontem? E se o mais um de amanhã for alguém que amamos? Talvez, se isso acontecer, teremos menos um motivo para pensar desta forma acomodada, para deixar de ver a vida desta poltrona egoísta e desta sacada de onde só o que nos convém pode ser enxergado.

Cada um a mais que se vai é um pedaço da nossa dignidade, é o escárnio da moral em praça pública, é o triunfo de uma política que pesa a mão para uns e a abre, generosamente para outros, é um braço a menos para remar neste barco furado em que, acomodados e confortáveis, continuamos navegando. Quando a coisa piorar e acabarmos naufragando, o um a mais seremos nós.

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