quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Você que se foi


Vi uma foto sua, agora há pouco. O sorriso é o mesmo de sempre, imponente como o sol que derrete geleiras, forte como um iceberg que naufraga navios. Sua alegria denuncia que você se foi e vive muito bem longe de mim, tão escancarada quanto às estripulias que fazíamos juntos.

Me deixe ser démodé, como naquelas vezes em que eu chorava os amores perdidos esparramado em sua cama, e nada mais me amedrontava porque seu abraço era meu escudo. Ora, hoje, estou aqui, desmoronando em saudades, cheio de rachaduras, ironicamente agarrado às lembranças que me destroem, como o urso que morre pressionando o pote de mel contra o corpo.

Você que se foi e não mandou mais notícias, me deletou de seu convívio como quem pica um papel e joga os pedaços fora. Não consigo me conformar, mas, “nós” viramos latinha amassada no lixo, papel de presente rasgado, restos de comida que nem sequer servem para matar a fome. 

Conhecendo você tão bem, sei que jamais voltarei a ser acolhido em seu casarão, o que me fará para sempre um andarilho, sempre rondando a sua janela, à espreita de um olhar, mesmo frio, que me aqueça. Você que se foi sem dizer adeus, que me transformou em carta fora do baralho – logo eu, que me considerava um coringa em sua vida.

Você continua fazendo macarrão ao sugo, coberto com o molho mais bonito do coração mais vermelho que já conheci? E o mouse de maracujá, ainda fica amarelinho e gelado, como as diversas noites frias em que jogamos conversa fora? Ainda tem ímãs colados na sua geladeira, a carta que lhe escrevi de Natal permanece aí? Sua cozinha segue decorada com seu bom gosto e móveis brancos, o banheiro ainda é rosa, sobrevive aquela fonte que jorrava na sala? Cada detalhe da sua casa permanece vivo em minha mente, pois você que se foi jamais irá dos meus pensamentos.

Sei que, quando nos encontrarmos, você continuará virando a cara pra mim, e, do alto onde se encontra, me lançará olhares pontiagudos, rodopiantes, de distância que corta, de ausências que jamais se aproximam. Você que se foi e deixou vazios irreparáveis, se foi e não me levou. E eu que ficarei, para sempre, esperando você voltar.