quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Campo minado

No próximo domingo, 3 de outubro, milhares de eleitores brasileiros vão às urnas para eleger, entre outros cargos políticos, o presidente do país pelos próximos quatro anos. Gostaria de poder dizer que todos estão preocupados em tomar essa decisão da forma mais correta possível e, assim, preparando-se para o pleito, analisando propostas, pensando em quem eleger. Mas, infelizmente, isso não é verdade.

Mesmo estando às vésperas das eleições, já topei com inúmeras pessoas que dizem ainda não ter nem parado pra pensar em quem são seus candidatos. A guerra está chegando e não estamos preparados. O exército se aproxima e nos pegará desprevenidos. Estamos entrando num campo minado sem a noção de que nossa principal arma – o voto – está sendo subestimada. Não temos reservas para seguir; apenas sede de uma justiça que nós mesmos não fazemos acontecer.

Esses pensamentos nasceram da seguinte frase, de autoria do britânico Winston Churchill: “A política é quase tão excitante como a guerra e não menos perigosa. Na guerra a pessoa só pode ser morta uma vez, mas na política diversas vezes”. A guerra entre as tropas que vivem nas câmaras, esplanadas, prefeituras e senados desse país gera mais feridos do que podemos imaginar.

É uma situação que se arrasta há anos e não começou agora. Nenhum problema nasce da noite para o dia. No entanto, estamos feridos quando precisamos do Sistema Único de Saúde (SUS) e constatamos que não é possível ser ajudado por um órgão que anda mal das pernas, precisando ele mesmo de ajuda. Somos bombardeados quando nossas crianças crescem diante de uma má formação escolar porque não tiveram acesso a um ensino público de qualidade, quando nossos jovens perdem a chance de estarem nos bancos de uma faculdade porque lhes confiscaram o direito a estudar. A democracia está devastada cada vez que alguém mata porque não teve a oportunidade de viver.

Não percebemos, mas, diariamente, vivemos em meio a uma constante guerra. Cada centavo que vai para dentro das malas voadoras e das cuecas de políticos leva também a nossa dignidade. Não é somente o dinheiro que está sendo roubado; nossas chances de construir um país melhor também são aniquiladas diante dos tanques da corrupção, que nos atiram pra fora do bem, que nos abandonam dentro do mal.

Na guerra da política, estamos sendo mortos várias vezes, vendo nossos sonhos serem sepultados, assistindo à nossa própria desgraça e achando que isso é uma benção. Não é. Quando você entrar na cabine de votação e estiver diante da urna eletrônica, lembre-se que este gesto é a única arma que você tem em mãos. Cabe a você decidir se deve “matar” ou “morrer”. Você vai estar entrando num campo minado. Um movimento em falso e... Bum! Nossa cidadania vai pelos ares.

domingo, 19 de setembro de 2010

O que me falta

“Sempre há alguma coisa que falta, guarde isso sem dor. Embora, em segredo, doa.” Esta citação é do fantástico escritor brasileiro Caio Fernando Abreu, que dispensa apresentações.

Quando não há muito o que pensar, minha cabeça se esquece dos lugares cheios de minha vida e começa a focar nos espaços vazios. A sua também te trai dessa maneira? A geladeira está repleta – e o coração também. Há bastantes livros guardados no armário, bons amigos reservados no peito, algum dinheiro para passar a semana, um amor fresquinho e quente por perto. Tento guardar, sem dor, que falta alguma coisa. Mas, em segredo, dói.

O que me falta me transforma em pedaços do inteiro que eu poderia ser.

Me falta uma infância verdadeira, pai e mãe vivendo em harmonia, família perfeita, como aquelas que aparecem nos comerciais de margarina. Me falta a oportunidade ser criança, de chorar na hora certa para não ter que chorar depois – como estou fazendo agora. Me falta proteção, um abraço que seja à prova das balas que minha lembrança dispara contra mim, alguém blindado, que possa enfrentar os tiroteios que armo. Tem gente ferida dentro de mim, tem eu.

Me falta um reflexo idealizado no espelho, do qual eu consiga me orgulhar sem pensar em balanças nem em estrias. Me falta um rosto mais contido, e não esta face que tenho, tão transparente que deixa vazar a alma. Me faltam segredos, ter o que esconder para quem tanto me mostro, ter o que contar quando eu já não conseguir mais ser a novidade. Me falta uma mão maior, grande ao ponto de ser capaz de afundar em mim e arrancar as espinhas que não aparecem nas minhas bochechas. Me falta um grito para calar as vozes que fazem barulho debaixo do meu travesseiro. Tem gente calada dentro de mim, tem eu.

Me falta o posto de protagonista, uma história que dependa muito de mim para acontecer. Me faltam figurinhas no meu livro de memórias, personagens que, um dia, rasguei do meu cartaz. Quadros, sorrisos emoldurados, canções em forma de gente, poesias transformadas em gestos, discos tocando os sons do desejo que já esqueci. Me falta o aconchego, a alegria do abraço na chegada, a tranquilidade de ser esperado, um navio que para poder navegar pelas minhas terras desconhecidas, um porto para poder retornar às minhas terras esquecidas. Tem gente respirando dentro de mim, tem eu.

Não me falta nada, me falta tudo. Me faltam passarinhos cantando na janela, uma cama à minha espera, uma vida com a luz acesa, apenas me esperando chegar. Me falta auto estima, a convicção de que estou dando certo. Me faltam caminhos, estradas asfaltadas, placas nas esquinas. Tem gente perdida dentro de mim, me falta eu.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Angélica

Justamente na época do ano em que se comemora o dia da Independência do Brasil, chegou às minhas mãos o filme “Zuzu Angel”, que narra a trajetória da estilista brasileira Zuleika Angel Jones. A artista foi mãe do militante político Stuart Angel Jones, morto num vôo em busca da liberdade. O filho de Zuzu – e também essa mulher – foi apenas mais um dos tantos brasileiros assassinados brutalmente pelas garras da Ditadura Militar. É da luta dessa criatura angelical em busca de justiça que se trata a obra em questão, assinada pelo cineasta Sérgio Rezende.

Na trama, a estilista é interpretada pela brilhante atriz Patrícia Pillar, que dá vida ao drama de uma mãe desesperada, em busca do paradeiro do próprio filho, que foi calado por aqueles que não suportavam ouvir a voz da dignidade e de quem ousava sonhar. São exemplos como o de Zuzu – que teve o ponto final de sua história colocado em 14 de abril de 1976 – que me fazem acreditar que a Independência do Brasil não foi conquistada em 1822. Se até bem pouco atrás temos relatos que extinguem qualquer indício de independência moral, como podemos acreditar que somos independentes há mais de dois séculos? E, hoje, será que podemos afirmar isso?

Ainda existem milhares de “Zuzus” por aí, mães assassinadas na madrugada porque decidiram lutar pra dar uma vida melhor aos pequenos, mães que vêem seus filhos serem mortos por balas perdidas, mães que não são capazes de dar a luz aos sonhos de sua própria cria, mães que morrem por dentro porque não conseguem dar vida àqueles que mais amam. Zuzu Angel buscou, até as últimas conseqüências, o direito de quem não podia mais se defender. Também não será essa a situação das milhares de mulheres que levam broa de fubá aos filhos na penitenciária em dias de visita? A diferença é que o grito daquela época era calado com violências e torturas físicas; hoje, basta a indiferença e a injustiça para atarem as mãos dos que buscam dignidade.

O descumprimento da lei é uma tortura na alma. A impunidade é um corte na língua. O despreparo da polícia é um soco no estômago. A corrupção dos advogados é um tiro no pé. O silêncio da justiça é o grito do desespero. Atualmente, a Ditadura Militar não nos violenta mais, porém, todos os dias, nossa cidadania é espancada e saqueada pelas ruas, vivendo à mercê das migalhas que os poderes jogam a nós.

O filme de Zuzu Angel termina com uma versão inédita e especial da música que Chico Buarque compôs, exclusivamente, para homenagear a artista. “Angélica” é o nome da canção. “Quem é essa mulher / Que canta como dobra um sino? / Queria cantar por meu menino / Que ele já não pode mais cantar”, dizem alguns versos da letra. Certamente, Zuzu foi um anjo que ajudou a construir um pouco da face independente desse país, que ainda tem muitos sinais de mutilação. Independência? Não. É de morte que temos vivido.

Luz dos olhos

Se você está por perto, meus olhos pousam em você e vão longe. O cachorro da madame, o rabo de saia em plena festa, os músculos daquele saradão que acabou de atravessar a esquina. Nada disso importa: meus olhos seguem apenas os seus, querendo encontrar os rastros do seu vôo em minha vida. Feito um avião que cruza o céu e deixa vestígios de fumaça por onde passa, você é uma nave no ar, desenhando no meu céu as mais belas paisagens. Não importa a hora que o sol irá se por: basta você se afastar para a noite cair. Mesmo que faça dia lá fora, o meu se apaga um pouco cada vez que a luz dos seus olhos não o está iluminando.

Quando eu olho pra ti, vejo os fragmentos de milhões de pequenas coisas que, somadas, me dizem que tu és o homem da minha vida. Os meus olhos vibram ao te ver: são dois fãs, um par. Sabe aquele estádio lotado, indo ao delírio porque o palco se acendeu e o motivo da celebração está prestes a aparecer? Quando você pisa no meu palco, milhares de vozes dentro de mim acenam com alegria, gritam com euforia, silenciam com amor. Revesti com vidro o meu olhar pra poder te enxergar melhor. Agora, ele é capaz de refleti-lo, tornando-se nítido quando você está embaçado, tornando-se claro quando você está escuro, tornando-se paz quando você está em guerra. É este meu segredo para conseguir encontrar terra segura na imensidão e nos mistérios do seu mar.

Abra o jornal, ligue o rádio do seu carro. Eu acabei de escrever um novo texto só pra você ler e saber o quanto seu vocabulário dá uma belíssima história. Porque essa crônica eu fiz agora, apenas pra você conseguir enxergar os milhares de protagonistas que você pode ser dentro da sua novela. Só pra você ter a percepção do quanto você tem milhares de linhas para compor o mais belo enredo, dezenas de cordas para compor o mais belo tom, centenas de quadros para expor a mais bela galeria.

Espalhei cartazes pela cidade à procura de você. Preciso encontrá-lo, rapidamente, para que você não se condene ao inferno antes de conhecer o paraíso. Siga onde vão meus pés porque eu te sigo também. E eu te amo. E grito que te quero. Embora você fique quieto, tomara que seu silêncio diga que você me quer também.

Texto baseado em canção de título homônimo, composta por Nando Reis.


sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Em busca do Planeta Perdido


Marte, Vênus, Júpiter... Não me identifico com nenhum destes planetas! Confundem-me com terráqueos, mas tenho certeza que não sou daqui. No planeta que procuro, ainda moram seres humanos, pessoas de verdade, que não sentem de mentirinha. Não é esta Terra povoada por máquinas e produtos ambulantes a órbita que eu escolhi para viver: por isso, estou em busca do Planeta Perdido.

Lá, beijos não são encarados como fontes inesgotáveis de prazer efêmero, mas sim vistos como carícias ternas entre duas pessoas que pretendem se conhecer muito além dos lábios. Na Terra que vislumbro, relacionamentos são construídos com tranqüilidade e dedicação. Constroem-se pontes sobre as dificuldades, ao invés de se permitir que a altura delas nos leve ao chão. O amor não é enxergado como um impedimento ao prazer nem a bebida roubou a lucidez de seus habitantes. Alô, alô, aqui quem fala é humano... Alguém sabe de que reino estou falando?

No Planeta Perdido, políticos não caminham pesados porque carregam milhares de dólares nas cuecas e dezenas de pesos na consciência. O governo é um reflexo da sociedade que é regido por ele, e vice-versa. Nem prefeitos roubam o dinheiro dos impostos, nem cidadãos vendem o voto. Pais ainda respeitam os filhos, que, por sua vez, ainda sabem respeitar os pais. Homossexuais não são chamados de aberrações nem mulheres são condenadas a vender o sexo para comprar a janta. No espaço que procuro, vale o que somos e não o que estamos vestindo.

Por favor, se alguém souber quando partirá o próximo foguete para o Planeta Perdido, não deixe de me avisar. Quero levar para lá uma foto desta Terra, devastada pelas queimadas do egoísmo, poluída pelos tóxicos do sexo gratuito, onde falta oxigênio para respirar o ar puro dos sentimentos sinceros. Assim, com um bom exemplo em mãos, poderei apontar aos habitantes que se salvaram um modo de NÃO levarem suas vidas. Com a prova do crime, conseguirei evitar que novos inocentes sejam condenados à cruz sem antes conhecerem a beleza do caminho.

Há quem me pergunte se o Planeta Perdido existe mesmo, se este não será mais um fruto dos meus devaneios. Mas, ainda prefiro acreditar que ele só está perdido porque nós deixamos de encontrá-lo, que essa Terra sonhada não existe apenas porque nós deixamos de construí-la. Sendo assim, na Lua ou em qualquer parte do Sistema Solar, há sempre um Planeta Perdido dentro de nós. Basta a luz de uma estrela para acendê-lo.

O pior

Você não veio. A mim, restou o de sempre: a mensagem não respondida, o celular apagado, indicando a ausência dos seus sinais. Restaram os seus silêncios espinhosos, sua gélida indiferença, aquele abraço gostoso que não pode ser dado. Restou o lado vazio da cama, a porta trancada, a certeza da dúvida. Demorei a dormir, me remexendo para os lados o tempo todo. Mas, não era uma posição o que eu procurava. Era você.

Ontem, juro que senti vontade de sair gritando pelas ruas, até esvaziar totalmente meu pulmão de ar. Quem sabe assim também você sairia um pouco de dentro de mim, liberando algum espaço para que eu possa ocupar-me. Ando por aí fragmentado, parecendo umas dessas dobraduras que as crianças fazem para impressionar os pais. Me dobro todo pra ver se caibo no pequeno espaço que você me reservou em sua vida, mas nem neste cômodo apertado você me deixa ser inteiro. Nem no pouco você me deixa ser muito.

E por mais que eu queira enfeitar sua vida, você não me deixa ficar na sala. E por mais que eu queira te proteger do vento, você não me deixa fechar as janelas. E por mais que eu queira ficar por perto, você mantém trancas e cadeados em todas as entradas. E por mais que eu te ame, você insiste em correr desse sentimento, como se ele fosse te engolir a qualquer momento. Tem sido difícil pra mim amar tanto e ver tanto amor sem ter proveito. Tanto amor querendo te fazer feliz, mas só conseguindo escrever este texto triste.

Aí, de repente, me lembro daquele tempo em que éramos, exclusivamente, amigos e você não passava um final de semana sem me perguntar o que iríamos fazer. E me dá uma saudade danada de ter um quarto só meu na sua vida. Hoje, divido a cama com seu desespero, que não me deixa nem sequer ver seu sorriso da janela. Naquele tempo, minha presença era capaz de dar significado aos seus espaços vazios, meu brilho tinha força para preencher suas lacunas obscuras e sem cor. Agora, apenas o que vejo são linhas tortas, um texto sem pontuação, um castelo abandonado, prestes a ruir. É pena que minha voz não seja mais ouvida pelos súditos que restaram dentro dele.

Seu abraço é um foguete que me leva para passear entre as estrelas. Sua companhia é um barco que me conduz por entre o mar das alegrias mais gratuitas e belas. Seu sorriso é uma estrela brilhante, cintilando sozinha num céu totalmente escuro e apagado. Você me acende por dentro, com este seu olhar de arco íris, com este pote de ouro do outro lado do coração. Por isso é que é tão difícil me conformar com suas mudanças.

Não sei, mas acho que tudo que você está fazendo são seus esforços inconscientes para me perder. Você não me faz mais companhias nas noites que surgem em pleno dia, não me leva mais pra passear pelo seu planeta, não me abre mais as portas dos seus mistérios, não me conduz mais por entre os caminhos da sua alegria. Você está se esforçando pra eu deixar de te amar. E o pior é que nem assim você consegue. E o pior é que nem assim eu deixo de pensar em você, e de acreditar em nós, e de querer que você me abrace, e de sentir que ainda tem jeito, e de te amar hoje, e de ter certeza que te amarei amanhã, e semana que vem, e no próximo mês, e para sempre.