segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Sutilmente

Um dos maiores grupos do pop rock nacional, o Skank, está fazendo, mais uma vez, um estrondoso sucesso com uma nova música de trabalho. Também, pudera: “Sutilmente” é de autoria de Samuel Rosa, vocalista da banda, e Nando Reis, outro exímio compositor brasileiro. A canção apresenta, através de versos muito bem alinhados, um belíssimo e comovente discurso. “(...) Quando eu estiver morto, suplico que não me mate, não... Dentro de ti”. Mesmo “morto” em si mesmo, continuar “vivo” dentro de alguém. Que paradoxo!

Quando eu estiver chorando, tranquilamente, me deixe. Minhas lágrimas são honestas, no entanto, têm um pouco de medo de escorrerem livremente em público. Meu choro quase sempre se dá depois de um longo período de estiagem dentro, quando o sol não consegue penetrar pelos meus olhos e atingir onde está seco e árido. Aí está o milagre: a água que jorra de mim nasce de terras inférteis. Renovo-me onde quase todos se perdem.

Quando eu pedir algo, calmamente, analise. Nem sempre tenho a capacidade de pedir o que preciso de verdade. Não é costumeiro, mas de vez em quando me esqueço onde guardei meus sonhos e não sei por onde começar a buscá-los. Tranco portas de entrada e saída e, sem dúvidas, isso me prejudica, pois não dou liberdade a quem quer se retirar e nem permito que algum viajante entre e encontre morada onde há bastante espaço para ele. O pior mesmo acontece quando me perco nos burburinhos de fora e não consigo mais ouvir o silêncio de dentro.

Quando eu estiver feliz, euforicamente, aproxime-se. Como bem escreveu Clarice Lispector, “uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o”. Portanto, não me deixe perder o ânimo de encontrar minhas alegrias mais cotidianas, ainda que elas insistam em se desviar de mim. E, quando meus olhos cegarem, me ajude a enxergar novamente o brilho contido nas pequenas coisas. Tenho certeza que todas elas contém um grande significado: basta doçura para percebê-lo.

Todos necessitam de algo que quase sempre não fica explícito em suas atitudes. É preciso sensibilidade para enxergar o que nosso amigo realmente quer, para notar o choro contido do marido, para dividir uma alegria honestamente com o namorado sem ter o desejo de contê-la. A sutileza é da mesma família da grandeza, da simplicidade, da humildade, da educação, do respeito... É lamentável que essas irmãs estejam tão órfãs nos dias de hoje.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Salver o ser humano

Em tempos conturbados como os que vivemos, é comum a promoção de campanhas que tenham o objetivo de conscientizar a humanidade de que é necessária uma mudança drástica de hábitos e costumes no presente para evitar danos maiores no futuro. O que existe por toda parte são movimentos que gritam “salvem a natureza”, “salvem as baleias”, ou ainda “salvem o planeta”. Sendo assim, lanço uma nova campanha e, sem pestanejar, grito: SALVEM O SER HUMANO!

Pra começar, devolvam os seres humanos ao seu habitat natural. Humanos não nasceram para viver em cativeiros e nem trancafiados dentro de seus lares; não nasceram para o cárcere causado por seus próprios medos, angústias e frustrações. Salvem o ser humano da prisão das drogas, da escravidão do sexo, do esquecimento do amor. Salvem a humanidade da cela chamada sofrimento e da gaiola chamada ciúme! Um ser humano engaiolado fugirá da realidade ou morrerá por dentro. Salvem o ser humano da morte em vida.

Talvez seja necessário rever também a alimentação correta dos seres humanos. Nenhum de nós vive de vento, de brisa. Humanos se alimentam de sonhos, de esperanças... Andam propagando por aí que a nova dieta que conduz a felicidade é “ser de todo mundo e não ser de ninguém”. Esse é daqueles regimes que produzem um alívio momentâneo, contudo, causam grandes estragos depois. Um ser humano não deve nunca se alimentar de rancor, ódio, desilusões e tão pouco de sonhos perdidos. Salvem o ser humano de alimentar-se de sexo.

Salvem o ser humano da doença! Segundo o Dr. Dráuzio Varella, se não quisermos adoecer, devemos falar de nossos sentimentos, tomar decisões, buscar soluções, aceitar-se e etc. Ele mesmo explica: “Emoções e sentimentos que são escondidos, reprimidos, acabam em doenças como gastrite, úlcera, dores lombares, dor na coluna. (...) Quem esconde a realidade, finge, faz pose, quer sempre dar a impressão de estar bem, quer mostrar-se perfeito, bonzinho. Está acumulando toneladas de peso”. Salvem o ser humano da devoção à beleza.

Enfim, salvem o ser humano de ser seu próprio algoz, de não se permitir começar de novo, de não achar graça em si mesmo. Salvem o ser humano da destruição do amor próprio; salvem-no daquela velha mania de não se deixar ajudar, de se deixar escravizar por hábitos e pessoas. Salvem o ser humano do preconceito, que soterra aos pouquinhos nossa visão sobre o que os outros realmente são. Salvem a humanidade da não contemplação do pôr do sol, de não ver a beleza da vida. Salvem o ser humano de procurar apenas o que os olhos podem ver, de basear-se em prazos para gostar. Salvem o ser humano da fuga da própria realidade. Salvem os seres humanos de perderem a partida para si mesmos.

domingo, 20 de setembro de 2009

Um gostar perdido

Durante o final de semana, perambulando por várias páginas da internet, fonte inesgotável de inspiração, me deparei com um texto muito precioso, escrito por alguém identificado apenas como Tati Bernardi. Não sei quem é, mas, seja lá quem for, muito obrigado. Aquelas palavras vieram ao encontro do que eu andava pensando em escrever. No texto, a autora demonstra sua insatisfação com a forma de “gostar” da maioria das pessoas no mundo de hoje. Acertou no alvo! Assim como ela, também quero escrever minhas insatisfações com as atuais conjugações do verbo “gostar”.

Sinceramente, cansei. Cansei de quem gosta como se gostar fosse mais uma publicidade. Cansei de quem gosta friamente, de quem não se deixa envolver pelo sentimento. Cansei de quem gosta como se não gostasse. Cansei de ouvir “eu te amo” como se fosse proibido; como se fosse uma reza ou prece e precise ser pronunciado baixinho, em particular. Cansei de quem gosta aos poucos, em doses convenientes e proporcionais à sua própria vontade. Cansei do “gostar” em horário comercial. Das 8h às 18h, gosto de você. Estourado seu tempo, passe no RH. Suas fichas e honorários já estão prontos. Cansei de prazos.

Cansei de quem gosta aos finais de semana ou durante a sessão das 20h, no cinema. Cansei de quem gosta enquanto quer. Cansei do gostar por uma noite, do gostar pra dentro. Cansei de um gostar vazio de possibilidades e cheio de imposições. Cansei das análises para se gostar de alguém. Cansei de gostar pela sensualidade vendida nos shoppings ou pela efêmera beleza que passa na TV. Cansei de gostar por motivos óbvios, porque é bonito. Cansei de gostar pelo que se vê. Cansei do gostar parcelado em suaves prestações, aquele por qual se paga com a própria vida nos crediários espalhados por aí. Cansei de não gostar.

Gostar não tem “isso”, “aquilo”. É assim mesmo. Você está na fila do banco e ela, despercebida, passa por você. Os papéis caem, os dois se abaixam. Os olhares se cruzam. Os corações também. Pronto! Gostou. Já era. Cansei de quem não se permite sentir isso, de quem foge do frio na espinha. Cansei de gostar com camisa de força. Cansei de quem gosta de não gostar, de quem se esconde de si mesmo. Cansei daqueles que matam aos poucos os sentimentos alheios. E também daqueles que se deixam morrer. Cansei de gostar como se deve, e não como se quer. Cansei de não viver.

José Saramago, consagrado escritor português, autor de inúmeros best-sellers, definiu: “Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter; ter deve ser a pior maneira de gostar”. Cansei de quem gosta sem sair de dentro de si, entocado nos subsolos escuros da alma. Cansei de quem gosta aprisionando. Cansei de pássaros em gaiolas. Cansei do gostar “de agora”. Deste que não toca o coração, que se baseia apenas no prazer. Deste que não encanta. Quero o gostar perdido, aquele que a gente deixa guardado em casa. Aquele que eu nem sei se existiu. Eu só queria alguém pra vencer comigo este gostar terrivelmente chato.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Troca justa

Manhã de segunda-feira. Dormir sozinha em seu quarto não foi o bastante para afastá-lo de seus pensamentos. O namoro ia bem, ao menos para ele, que não dispensou atenção aos gritos que ela deu enquanto caminhavam em silêncio, rumo a sessão das 21h do cinema, ontem. Ligou para sua amiga e ouviu os mesmos conselhos de sempre. Sabia que ela tinha razão, no entanto, relutava em agir da maneira correta. Tinha medo, muito medo. Como seriam seus dias sem a presença daquele homem? Como seria olhar para escrivaninha e não vê-lo lá? Contudo, tinha mais medo de continuar a perder-se naquele relacionamento solitário. Se sentou na mesa da sala e começou a escrever.

“Olá, querido! Acabei de falar com minha amiga no telefone. Sabe o que ela me disse? Que hoje o dia não está propício à fortes emoções. Quanto marasmo, né? E é exatamente disso que quero fugir. A repetição dos dias tem me incomodado bastante. Não consigo distinguir a diferença entre o sábado e o domingo. Estou presa em um calendário desordenado, em uma semana onde constantemente é quinta-feira ou um dia desses qualquer. É disso que preciso escapar. Não suporto mais dormir e acordar ontem. Quero abrir os olhos hoje. Segunda-feira é o dia internacional de começar dietas, portanto, começo hoje meu regime de você. Estou gorda de tristezas e cheia de lamentos. Preciso emagrecer.

Sei o que você vai pensar em me pedir ao ler esta carta. Não, eu não vou deixar para amanhã e sabe por que? Se eu fizer isso, corro o risco de querer empurrar essa decisão para semana que vem, quem sabe até para o próximo mês. Aliás, posso fazer um pedido? Não me peça mais para ir além do que posso. Não suporto mais pendurar meu chapéu no alto e não conseguir pegá-lo depois. Não dá. Você já parou para pensar em meu relacionamento com você? Infelizmente, é impossível me referir a ele como ‘nosso’. É meu, apenas de uma pessoa e assim, definitivamente, não quero mais. O que é bom pra um só não é bom pra ninguém. Quero sair dessa solidão acompanhada enquanto ainda é tempo.

Este sonho que tenho vivido ao seu lado transformou-se em pesadelo. Preciso voltar para a realidade. Há contas a pagar na caixa de correspondências e preciso quitá-las antes que minha imagem se perca. Chegou a hora de aparar as arestas da minha vida, que andam muito pontiagudas e me perfuram constantemente. Sabe como tenho me sentido ao seu lado? Correndo em uma esteira elétrica. Suo, me canso, me desgasto e não saio do lugar. E agora eu preciso ir. Alguém aguarda ansiosamente a minha chegada, contando os minutos para eu chegar. Quero voltar pra minha vida, para os meus livros. Para mim mesma. Chega da sua vida. Eu me vou.

Não se condene e nem se culpe. Se um dia sentir minha falta, me procure naqueles momentos onde estive sozinha e esperei por um olhar terno seu. Me encontre naquelas horas onde busquei solitária um presente para o dia dos namorados, uma boa poltrona para assistirmos a peça de teatro. Me ache nos lugares onde você mesmo me abandonou. No mais, não se preocupe. Não estou indo embora da sua vida porque amo outro homem. Parto agora por amor a mim mesma. Sendo assim, a troca que faço agora é justa. Passo este relacionamento. Troco você por mim”. Após escrever essas palavras, guardou-as, foi até a casa dele e depositou o envelope por debaixo da porta. Enfim, a dieta havia começado.

domingo, 6 de setembro de 2009

O que fica em mim

Dia desses, tive a oportunidade de conhecer, através de um jovem muito interessante, um escritor brasileiro do qual eu nunca tinha ouvido falar: Caio Fernando de Abreu. Logo de cara, fiquei fascinado pela obra do autor! Em um dos trechos de sua autoria que li, “parei” em uma frase: “Depois de várias tempestades e naufrágios, o que fica de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro”. A citação me chamou bastante a atenção, pois, é inquietante e perturbador pensar que o que resta de nós a cada etapa vencida não são restos mortais, mas sim frutos de vida. “O que fica em mim é...”. Brrr! Chega a dar calafrios.

O que fica em mim são paisagens que contemplei ao logo da vida. Cenas de rua que me arrancaram lágrimas, uma despedida de quem não deveria ter ido embora, alguém que entrou pela porta na hora certa, pessoas que chegaram tarde demais. O que fica em mim são as histórias que visualizei, assisti, mas também os momentos em que me permiti fazer parte de roteiros improvisados, as horas em que entrei em cena sem palavras e roubei o brilho, os palcos em que deveria brilhar e fui ofuscado, as palavras decoradas como prece que fugiram na hora H. O que fica em mim é o que já esqueci, mas lembro.

O que fica em mim são as vezes em que bronqueei, mesmo correndo o risco de parecer ridículo, mesmo mexicanizando a cena. As discussões com amigos, os pontos finais, as vírgulas e até as reticências. O que fica em mim são situações em que reagi, em que não deixei que o tempo passasse a fim de esquecer o que foi dito, em que verbalizei o que em mim fica solto; e não se enquadra. O que fica em mim são as lágrimas que rolaram livremente pela face, os pingos honestos que escorreram diretamente no coração, as horas em que me permiti não disfarçar a tristeza para que ela fosse embora. O que fica em mim é a minha sinceridade comigo mesmo.

O que fica em mim são as explosões por quais passei, mas não incendiei, as cicatrizes que as perdas deixaram, os troféus que as vitórias roubaram. O que fica em mim são as noites em que não fiquei com soluços entalados na garganta, em que não fiquei quieto no meu canto enquanto a vida corria velozmente para longe de mim. O que fica em mim são os dias em que não apenas respiro, mas também vivo. O que fica em mim são pequenos gestos: o abraço de um amigo, o beijo antes de dormir, a saudade de meu pai, o carinho de minha mãe. O que fica em mim não é caro, contudo, é muito valioso.

O que fica em mim são as situações em que fiquei tão perdido fora que quis logo correr pra dentro, os fatos que não aconteceram, o telefone que não tocou, o e-mail que não chegou, a campainha que não soou... O que fica em mim é a alegria de ter dado certo, a dor pelo fim, a sensação de mudança, as transições do caminho, as gargalhadas dos amigos íntimos, as conversas até altas horas. Ao final de tudo, o que fica em mim são as inconstâncias, a saudade de quem se foi e o contentamento por quem está perto. O que fica de mim em mim, depois de várias tempestades e naufrágios, é cada vez mais essencial e verdadeiro para que eu perceba que eu sou alguém. E basta.