sábado, 21 de agosto de 2010

O preço do voto

Falta pouco mais de um mês para as eleições que definirão os rumos do Brasil pelos próximos quatro anos. A campanha dos políticos corre a todo vapor por todo país e muitos gatunos saíram de suas tocas e estão aí, pelas ruas, à caça de votos que garantam a eles mais alguns tempos de poder e dinheiro.

A corrupção na política não é apenas um problema de quem governa. As práticas ilícitas nascem já nas eleições, frutos de uma população que reclama dos rombos nos cofres públicos, mas que, quando chega a hora de votar, troca sua opção por um saco de cimento. Se os políticos são corruptos quando negociam suas transações milionárias e se envolvem nos mais diversos escândalos, nós também o somos no momento em que não nos escandalizamos diante do errado e, sem pensar duas vezes, nos vendemos ao primeiro que nos oferece um favorzinho. Olho vivo, pois a sujeira está começando de baixo.

Parto da seguinte premissa: candidatos que compram votos hoje, amanhã estarão comprando mansões à beira mar com nosso dinheiro, abrindo milionárias contas no exterior com o suor dos nossos impostos, explorando em suas empresas o suor dos nossos filhos. Se um político se presta ao papel de vilão sem nem ter chegado ao poder, como podemos acreditar que se tornará um herói quando lá estiver?

Por outro lado, cidadãos que vendem votos hoje, amanhã estarão admitindo a venda de drogas na porta das escolas, chorando porque a poeira da rua os faz derramar lágrimas, implorando por um pouco mais de dignidade, quando, na verdade, foram eles mesmos os primeiros a negociá-la. Se uma pessoa não se dá nem ao trabalho de escolher bem quem merece seu voto, como poderá ter a coragem de dizer que merece ser bem tratada?

O voto é uma das únicas armas que temos em mãos para combater as quadrilhas organizadas que vivem pelas prefeituras, câmaras e ministérios desse Brasil. Não solta fogo, mas queima a corrupção. Não faz barulho, mas ecoa pela consciência tranquila de quem sabe utilizá-lo. Não mata, mas ressuscita a dignidade que tanto sonhamos. Não fere, mas deixa viva a democracia brasileira, que nos dá o direito de escolhermos quem irá nos governar. É pena que não saibamos como nem pra onde atirar.

Tudo passa pela política, inclusive as tarifas que pagamos nos ônibus, o preço do leite, a discriminação e o preconceito, as leis e as milícias, enfim, tudo que rege a sociedade tramita pelo Poder Público. O voto vale muito, sim! Nós é que não valemos nada ao vendê-lo.

sábado, 14 de agosto de 2010

A vida em tinta fresca

Cotidianamente, é normal passarmos por algum lugar recém pintado e perceber alguma placa ou aviso, indicando: “Não encoste! Tinta fresca”. Caso algum desavisado – ou abelhudo – toque no local, suas mãos ficarão sujas de tinta. Há dias em que a vida, recém colorida por algum motivo, também está assim: soltando tinta por onde passa.

Nossos dias são murais a espera da obra prima que iremos desenhar neles, a cada manhã em que somos agraciados com o privilégio de levantar da cama. É lamentável que o corre-corre do dia a dia esteja deixando nossas horas cada vez mais acinzentadas, nossos sorrisos cada vez mais desbotados, nossa esperança cada vez mais preta e branca. Todo olhar é suficientemente capaz de pintar e de perceber algo eterno na parede da vida; basta um pouco de doçura para perceber isso.

Vejamos, então, as situações em que temos a nítida impressão de ter diante de nossos olhos uma obra prima, parecida com uma raridade de Pablo Picasso, mas que está ao alcance de nossa visão diariamente.

Com que tintas se colore o espetáculo do beijo de quem nos ama? Repare como tudo parece vermelho, desenhado à mão, retocado, minuciosamente, em cada detalhe. Nos comportamos como se posássemos para alguém que nos desenha por inteiro, o que não deixa de ser verdade, já que nossa imagem ficará gravada na retina do ser amado, pendurada na parede do coração. Não há nada mais belo do que o desenho de um amor verdadeiro.

E uma conversa agradável, com alguém que presta atenção até nos mínimos detalhes de sua personalidade? Perceba como podem ser bonitos os pincéis em que cada palavra pode se transformar se você souber como utilizá-las. O papo vai fluindo e a vida lá, brilhando em tinta fresca, lambuzando quem sabe se colorir com a eternidade de uma das paisagens mais bonitas da vida: o sorriso de quem se ama. A única coisa que nos imortaliza - mesmo - é a memória de quem amou a gente.

Hoje, por exemplo, acordei ofuscado e em tons escuros. A presença de alguém especial e um torpedo entrando no celular modificaram o cenário, tingindo em tons coloridos o meu dia, que parecia que acabaria tão apagado.

O belo está contido no nosso olhar, na nossa concepção e capacidade de pintá-lo como tal. Olho para a rua e vejo a possibilidade de enxergar inúmeras galerias, pessoas onde poderei pintar o mais lindo quadro ou deixar passar em branco, deixando desbotar a cor que seria crucial para iluminar a vida de alguém. Olho pela janela e vislumbro caminhos, a vida em tinta fresca, convidando-me para ser um pintor que sabe enxergar tintas que só o coração é capaz de ver. Olho para mim e me vejo colorido, vibrante. Nada disso existe. Meus olhos, sim, é que insistem em ir longe demais.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O primeiro dia

Ela é jovem, tem 20 anos e, por motivos alheios à sua vontade, foi obrigada a interromper os estudos. A moça estava cursando o quarto período da faculdade de Psicologia, quando, novamente, viu parte dos seus sonhos naufragar. Ela necessitou de muito fôlego para continuar nadando e não afundar junto com eles.

Querendo saber como havia sido o primeiro dia de aula do companheiro, a jovem mandou um torpedo para ele, que não a respondeu. Em seguida, ligou para um amigo e o questionou sobre o mesmo assunto. Ele não demonstrou muita empolgação em suas palavras e limitou-se a dizer que tudo fora “normal”.

Se sentindo um pouco incomodada com o aparente descaso dessas pessoas, ela pegou papel e caneta, sentou-se e, para eles, começou a escrever.

“Hoje pela manhã, quando vi nos jornais e na TV que as férias acabaram, notei um certo desconforto em meu peito, pois as minhas, assim como aquelas visitas incômodas que chegam para atrapalhar a melhor parte do almoço, resolveram permanecer mais um bom tempo comigo. Pra ser bem sincera, nem sei quando poderei despachá-las, de mala e cuia, para bem longe. Vai ser muito difícil não escolher um caderno novo para esse semestre.

Eu, assim como milhares de jovens espalhados pelo Brasil, gostaria de estar, agora, pensando nas aulas que terei amanhã, nos professores novos que, na situação em que me encontro, permanecerão desconhecidos. Se eu pudesse, teria dado um basta em meu descanso, indo correndo ao encontro do que me espera atrás da próxima porta, que, por sinal, está trancada para mim. Por hora, serei obrigada a deixar de lado o quadrinho escolhido para por o meu diploma, que permanecerá vazio por uns tempos – também assim ficará meu coração.

Portanto, percebendo um certo descaso da parte de vocês quanto ao primeiro dia de aula, gostaria apenas que percebessem grande beleza nisso. Embora pareçam horas de estudo como outras qualquer, vocês estão tendo a oportunidade de, mais uma vez, regressar aos estudos, de dar continuidade ao processo, de ver o sonho continuar respirando. Na contramão disso, vou eu, carregando o cadáver do que um dia cultivei, mas que agora só me resta enterrar em algum lugar colorido de minha alma. O epitáfio deste sonho será assim: ‘Foi bom enquanto durou’.

Saibam que os amo e que estou muito feliz por vê-los cada vez mais próximos do alto da montanha, a qual vocês escalam com tanto sacrifício, perseverança e paciência. Avariada por conta da queda, vou, aos poucos, reservar forças para tentar também subi-la novamente. Apenas peço que não se entreguem à banalização do sublime: cada instante dessa escalada merece ser devidamente valorizado, cada novo passo merece ser comemorado como um grande salto.

Hoje, não conheci professores diferentes, não tirei meus livros do armário nem me preocupei em sair do trabalho correndo, pois sabia que a van partiria mesmo se eu não chegasse. Aproveitem bem o primeiro dia, pois só eu sei a dor do último”.

domingo, 1 de agosto de 2010

Inútil

Embora não se ouça falar muito dela atualmente, Lygia Fagundes Telles é uma das mais renomadas escritoras da Língua Portuguesa, tendo, inclusive, publicado inúmeros de seus escritos em outros idiomas. Embora o pretenda fazer em breve, ainda não li inteiramente uma obra de sua autoria. Mas, enquanto isso não acontece, vou me deliciando com os fragmentos da poesia de Lygia que encontro, sem dificuldades, na Internet.

Em um fórum virtual, movimentado por milhares de fãs da escritora, encontrei o trecho a seguir, extraído do livro “Ciranda de Pedra”: “É preciso amar o inútil. Criar pombos sem pensar em comê-los, plantar roseiras sem pensar em colher rosas, escrever sem pensar em publicar, fazer coisas assim, sem esperar nada em troca. A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas da vida. A música. Este céu que nem promete chuva. Aquela estrelinha nascendo ali... está vendo aquela estrelinha? Há milênios não tem feito nada, não guiou os reis magos, nem os pastores, nem os marinheiros perdidos... apenas brilha. Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil. Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a beleza. No inútil também está Deus”.

Imediatamente após ler essas palavras, meus olhos se viram frente a uma janela, de onde pude avistar a beleza daquilo que, secretamente, Lygia chamada de “inútil”, mas que, de fato, é o que dá verdadeira utilidade às nossas vidas.

É preciso aconselhar um amigo, ainda que este nunca venha a seguir as pistas que você dá, ainda que ele nunca se dê conta do quanto são importantes os caminhos que lhe são apresentados durante aquelas conversas madrugada adentro e esquecidos dia afora. É necessário amar também as palavras que são ditas sem por que, aquelas que não desejam nada além de ser ditas, apenas pelo prazer de ser verbalizadas. Uma declaração de amor feita numa manhã comum de segunda-feira, uma conversa banal entre pessoas que se gostam, uma quente discussão entre quem já se gostou um dia e não sabe mais para onde ir. Onde está a utilidade disso? Inútil é não viver nada.

Vivemos numa sociedade baseada na troca, no capitalismo que vende e compra sorrisos, no consumismo que nos transforma em produtos, expostos nas prateleiras das festas, consumidos pelas embalagens e sendo desprezados pelo verdadeiro conteúdo. Numa realidade onde só têm valor as utilidades práticas, como aproveitar o dito inútil, já que este não tem aparentes objetivos nem metas bem traçadas? Treinando o olhar.

Não me interessam apenas as utilidades científicas das flores, mas também a utilidade que eu enxergo nelas, podendo transformá-las em rima ou em verso, em tragédia ou em riso, em saudade ou em presença. Baseados somente em trocas, na utilidade daquilo que ganharemos amando e no que receberemos lá na frente se fizermos algo agora, estamos nos transformando em moedas, que só têm valor quando trocadas por outras. Nesta dança de valores, acontece o verdadeiro troca-troca: útil ficamos nós; inútil fica a vida.