sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Se eu não te amasse tanto assim

Se eu não te amasse tanto assim, talvez perdesse os sonhos dentro de mim e vivesse na escuridão. O amor acende luzes em nossos caminho, nos ajuda a viver livre do breu de nossos medos. Assim, você é um poste em minha vida, constantemente aceso, me ajudando a encontrar o rumo de casa, me ensinando a não perder o rumo de dentro. Se eu não te amasse tanto assim, talvez meu sorriso já tivesse se tornado preto e branco e eu não conseguisse nem ao menos me alegrar de forma tão colorida.

Se eu não te amasse tanto assim, talvez não visse flores por onde eu vim, dentro do meu coração. O amor cria jardins em nosso olhar, impedindo que ele se encha de ervas daninhas e não consiga mais enxergar as belezas da natureza que nós mesmos criamos. Por isso, vejo uma flor em você, constantemente enfeitando a janela, me convidando para acordar melhor a cada manhã, me tranquilizando para dormir melhor a cada noite. Se eu não te amasse tanto assim, talvez não restassem pistas pelo meu percurso e eu já tivesse me perdido de mim mesmo.

E as estrelas, que hoje eu descobri no seu olhar, essas estrelas vão me guiar. O brilho da sua existência vai sempre me conduzir ao encontro da redescoberta da minha, e, quando a noite dos problemas esconder a luz, suas estrelas serão um clarão no meu céu. O amor nos transporta para lugares aos quais nunca chegaríamos sem o auxílio dele, é ele quem dá asas ao que em nós não consegue levantar vôo e repousa, é ele quem vivifica o que em nós está morto e quer ressuscitar. Se eu não te amasse tanto assim, talvez não tivesse inspiração para escrever textos tão poéticos e minhas palavras não fossem nada além de silenciosas.

Você é um personagem da vida real, um herói que não voa, mas me leva ao céu quando me beija; um mocinho cheio de defeitos, mas com virtudes que se agigantam e os tornam pequenos diante delas; um príncipe que não tem cavalo nem olhos azuis, mas que é valente o suficiente para me ajudar a escapar do buraco das dificuldades e encontrar a amplidão da liberdade. Se eu não te amasse tanto assim, talvez minhas histórias perdessem a graça e não existisse mais lirismo em meus parágrafos, que não cantariam mais, como fazem agora.

Então, se eu não te amasse tanto assim, talvez minha lucidez se tornasse um pouco louca e e eu não soubesse mais rimar nem expressar sentimentos através do meu olhar. Dizem que milagres só acontecem em casos extremos e que bençãos são alcançadas apenas quando nos focamos no alto. Que bom que Deus me emprestou você, que transforma minha vida simples vida num pedaço glorioso do céu.

Texto inspirado em música de título homônimo, composta por Herbert Vianna e Paulo Sérgio Valle, e interpretada, originalmente, por Ivete Sangalo.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Os sonhos de uns e outros

Recebi, com alegria, o e-mail de uma leitora, que disse ter se emocionando bastante ao ler a crônica “Luz dos Olhos” - que encontra-se no arquivo do último mês de setembro deste blog. A jovem revelou que se sentiu feliz e satisfeita por saber que, se existe alguém que ama outra pessoa da forma expressa no texto, ela também poderia realizar um sonho que tem em mente: encontrar um homem com quem pudesse viver um sentimento tão lírico – e real – quanto o que foi (de)escrito por mim.

A mensagem da moça me despertou para uma questão importante. Não raramente, temos em nossas vidas situações, pessoas e oportunidades pelas quais uns e outros dançariam até tango no teto se isso fosse preciso para alcançá-las. Os sonhos que você ainda não conseguiu realizar acabam de se tornar realidade para alguém do outro lado da rua, para a vizinha que mora no quarteirão ao lado, para aquela amiga que não achava que seria capaz, para aquele jovem que sonhava em se formar e acabou de se sentar num banco de universidade. Se foi possível em outras freguesias, só não será aqui também se nós impossibilitarmos os fatos, deixando de construir estradas que viabilizem a chegada ao patamar que desejamos.

Minha leitora sonha com o amor que alguns souberam construir, dorme e acorda pensando em encontrar um sentimento que fica surdo em meio ao barulho das festas, que não cabe nos clichês que inventaram para ele e, consequentemente, anda fora de moda. Porém, o que para ela é um sonho, para outros é a realidade alcançada às custas de muita dedicação e paciência, não apenas fruto de uma busca desesperada, mas sim resultado de um cultivo sadio e equilibrado. Só é possível colher aquilo que plantamos; as sementes que vingam são aquelas às quais nos dedicamos na medida certa, nem regando até encharcar, nem negligenciando até murchar.

O carro que você gostaria de comprar está na garagem de um homem que se empenhou bastante e trabalhou com afinco para tê-lo. A paz por você tão sonhada reina no lar daquela família que prima pelo diálogo e que não dança conforme o ritmo que a televisão toca, cultivando a autenticidade em um mundo loteado por cópias. O emprego para o qual você está há anos se preparando acaba de ser alcançado por um homem que não esperou a sorte bater a sua porta; ele mesmo quis descobrir onde esta sabichona estava escondida.

E assim a vida segue, sendo preenchida por sonhos que nunca imaginávamos alcançar, mas que só se tornaram possíveis porque demos um passo em direção a eles. O impossível leva algum tempo até tornar-se tangível; fazendo a parte que nos cabe, as impossibilidades se dissolvem, mostrando que basta um pouco de ousadia para abrir portas que nós mesmos insistimos em manter trancadas. Os sonhos de uns e outros só se tornaram possíveis porque eles descobriram que as chaves para abrir os cadeados da vida encontravam-se escondidas dentro de cada um deles. Sonhar não custa nada, mas realizar, sim.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Macho e fêma

Essa semana, tomei conhecimento de um fato que me deixou perplexo. Um dos pastores protestantes mais conhecidos da atualidade, Silas Malafaia espalhou centenas de outdoors pela cidade do Rio de Janeiro, os quais traziam a seguinte mensagem: “Em favor da família e preservação da espécie humana”, finalizada com um versículo bíblico que afirma que “Deus fez macho e fêmea”.

De modo cada vez mais assustador, inúmeras religiões utilizam a Bíblia para embasar e justificar seus ataques a diversos grupos existentes na sociedade. No entanto, em uma de suas obras, o padre Fábio de Melo alerta para os perigos de transformar as Sagradas Escrituras em um álibi do pensamento negativo humano. “Tenho medo quando o discurso religioso é utilizado para responder de forma mágica a questões que são humanas, sangradas no asfalto das cidades, em lugares que nossos olhos não alcançam. (...) Como homem da religião, tenho constatado que o discurso religioso, quando mal aplicado, pode ser tão nocivo quanto o discurso desumano dos assassinos”, revela o sacerdote.

Com o perdão da palavra, a manifestação de Silas Malafaia soou para mim tão nociva quanto o discurso desumano de qualquer pessoa, menos de um líder que deseja nos aproximar de Deus. Privar uma pessoa do direito de amar é também uma forma de matá-la, de retirar-lhe parte da vida e a abandonar no vazio de uma vida que não é vivida de forma plena. Assim como não posso acreditar que exista um Deus isolado da natureza, do mar, da sacralidade de um abraço e das demais belezas sublimes da vida, me recuso a crer que nós possamos existir longe das belezas de nossa própria natureza.

Sou contra o aprisionamento dos pássaros e tolher de uma pessoa o direito de amar apenas porque ela se sente atraída por alguém do mesmo sexo é, aos meus olhos, tão maldoso quanto cortar as asas de uma ave e impedi-la de voar; é tão vil quanto colocar um inocente atrás das grades; é tão cruel quanto crucificar o Nazareno.

Infelizmente, grande parte dos movimentos religiosos se valem de Deus para tornarem-se juízes da sociedade em que se inserem, no entanto, tornam-se tão cegos quanto a justiça dos homens. Pregam um céu, mas condenam seus fiéis ao inferno de um aprisionamento de ideias, onde só vale o que está escrito. Assim, parece que Jesus tem vários donos no mundo moderno, pessoas que se apropriam de seu nome e passam a utilizá-lo como forma de assassinar moralmente aqueles que discordam de suas crenças.

Muitos cristãos estão se transformando em assassinos em série, matando sonhos e destroçando esperanças, deixando de visitar os que passam fome de justiça, os que têm sede de amor, os que estão nus por causa do preconceito, os que estão presos nas celas da depressão.

Deus fez macho e fêmea, mas também nos deu coração para que consigamos agir como tais. Chamam os homossexuais de aberração e os consideram uma ameaça à família. Nada disso. Está para nascer aberração pior do que coroar com espinhos quem só quer ter o direito de amar fora do sepulcro.