terça-feira, 25 de maio de 2010

Carta de um buraco

Não sei o que escrever nem como começar. Sua partida causou em mim um buraco tão destruidor quanto o da camada de ozônio. Me sinto desprotegido, vulnerável às queimaduras que os raios ultravioleta de sua ausência estão me causando. Bronzeamento artificial é pouco diante do quanto estou queimando. Você se foi com a frugalidade de uma nuvem, e eu fiquei aqui, doendo com a intensidade do sol. O trocadilho está esquisito, mas é que você não sabe o quanto ardeu.

E o buraco que a falta da sua voz no final das tardes deixou é tão grande que me suga para dentro dele. E o vazio que não te ver entrando na van causou é tão cheio que o sinto em excesso. E saudade que sinto de saber que você virá me ver às sextas-feiras é tão profunda que me afundo nela, o que faz com que minha respiração fique cada vez mais ofegante e sem ritmo.

Saber que você não está mais do outro lado dificulta o meu equilíbrio aqui deste. Talvez você nunca tenha visto beleza nisso, mas eu atravessava os dias com a esperança de encontrá-lo do outro lado da tarde. E agora, que não tem mais você, me pergunto o tempo todo de quem será o abraço que irá me fazer sentir tão cheio ao ponto de me esquecer do buraco que sempre tive no peito.

Sim, não durou muito. Pouco mais de dois meses, ao longo dos quais você nunca foi meu de verdade. É, é lamentável ter visto tanta coisa em alguém que não conseguiu ver nada em mim. É triste ter enxergado tantas virtudes em uma pessoa que só fez questão de me dizer o quanto eu pesava, o quanto meu amor tinha o peso de dez toneladas sobre suas costas. Será que se você me visse agora, esvaziado pelo tamanho do meu buraco, você me diria que eu peso demais? Estou aqui, perdendo o fio da meada, esquecendo os pontos de partida, doendo tanto que já nem sei mais onde fica a saída.

O buraco que você deixou é grande, tanto que se transformou em uma mina, de onde brotam lágrimas o tempo todo. Não se engane com o meu rosto seco: por dentro, o coração está molhado.

Não há um só canto da casa onde eu não me pegue ouvindo tua voz, não existe um só cômodo onde eu não me assuste ao vê-lo, não tem um só espaço de mim em que você não esteja. Você se foi, e eu também não fiquei – pedaços de mim se foram junto com você, dentro deste seu olhar, o mais lindo que já conheci.

Onde é que fica a porta de saída, o stop? Quero descer deste trem fantasma em que viajo, onde me deparo o tempo inteiro com as sombras do que nem chegamos a ter. Dói-me o futuro que nos foi confiscado, o presente que não soubemos aproveitar, o passado que não serviu para nos juntar.

Agora, diante deste buraco que se abriu em minha vida, prometo seguir em frente, morrendo aos poucos ao te encontrar pelas esquinas, vivendo de novo ao me encontrar nos lugares onde você nunca me levou. Não tive como te fazer me amar, mas, certamente, ainda te amarei por um bom tempo, afinal de contas, meu buraco é tão grande que sempre vai caber um pouco de você.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Quem sabe

Desde quando nascemos, quase nenhuma certeza nos é dada. A única definição que trazemos dentro de nós, desde sempre, é a de que, um dia, inevitavelmente, morreremos. Não sabemos como e nem onde. Não temos noção se seremos atropelados por um louco embriagado, que pegou o carro após ter bebido todas para curar uma dor de amor, ou se, de uma hora para outra, nos aparecerá um caroço nas axilas, selando assim o nosso encontro definitivo com a dona Morte. O que seremos quando crescer? Será que amadureceremos? Amanhã vai fazer sol? Ele volta na semana que vem? Quem sabe...

Opa, segura a onda aí. Se fiz perguntas, quero respostas. Algum matusalém se atreve a arriscar? Eita expressãozinha cruel essa: “quem sabe”, formada gramaticalmente por um pronome interrogativo e pela conjugação da segunda ou terceira pessoa do singular do verbo saber.

Na língua portuguesa, um significado; na vida da gente, outro. “Quem sabe” expressa a fragilidade e vulnerabilidade de nossas certezas, a impotência diante do futuro e a confissão de que não, não sabemos o que será o amanhã. Há um grupo que diz saber. Mentira. Não sabem.

Ao final da relação, ela perguntou: “tem alguma chance de, algum dia, voltarmos a namorar?”. A resposta dele? “Quem sabe”. Após uma briga feia com seu pai em uma manhã pacata de domingo, ele saiu às pressas de casa. A mãe gritou e a voz alcançou-o na rua: “Filho, será que um dia você volta?”. “Quem sabe”, sussurrou pra dentro. Morou durante anos no mesmo bairro daquela cidadezinha do interior e, quando chegou a hora da mudança, o menino pensou: “Quando voltarei? Quando vou rever o que fica de mim nessas paredes?”. “Quem sabe”, respondeu a si mesmo.

Quem sabe se o amor da sua vida volta, se você será selecionado amanhã para uma entrevista de emprego, se uma discussão com sua namorada vai culminar no término do relacionamento, se um professor que não vai com a sua cara lhe dará nota dez na apresentação do trabalho de português, se teria sido mais conveniente falar, se calar foi a melhor saída? Quem sabe se um dia você irá esquecê-lo, se você vai amar outra mulher, se o bilhete que você jogou na mega sena está premiado, se existem chances de você conquistar aquela gatinha que mora do outro lado da rua? Bendito pronome interrogativo aliado ao verbo supremo: saber.

O “quem sabe” é a porta entreaberta dentro de nós, a chance de dar uma escapulida ao passado como quem vai ao mercado. É esperança, incerteza, ausência de definições. Será que vai dar certo? Quem sabe. Será que ele vem jantar? Quem sabe. No espaço de uma expressão dessa, cabem uma carga de angústia e um punhado de dúvidas prisioneiras.

No fundo, chego a conclusão que o máximo que conseguiremos alcançar em um universo repleto de possibilidades é o “achismo”, o risco, o chute. Não dá para nos agarrarmos às nossas certezas e vivermos “bebendo” ideologias pessoais como verdades eternas e inquestionáveis. Ser flexível e aberto a novos conceitos faz parte de um aprendizado livre. Quem sabe é a ferida aberta por não saber e, o que não sabemos, sempre nos dói.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Lado materno

Buscando fugir dos textos clichês que marcam o dia das Mães todos os anos, pus-me a pensar no que poderia ser escrito diante de uma data tão esgotada. Observo há muito tempo a relação de algumas mães com seus filhos, e não tem como negar: na maioria dos casos, o amor das genitoras por suas crias é, realmente, algo inestimável – embora eu discorde da conivência implícita em diversas expressões deste sentimento.

Cá com meus botões, cheguei a uma conclusão inusitada. Extra! Extra! Todos nós somos capazes de ser mãe, tendo ou não um útero. Em todas as ocasiões em que damos a luz ao feto de nossos sonhos ou ensinamos um amigo a caminhar, tomando-o pelas mãos com paciência e amor, estamos exercitando o lado materno que todos trazemos no peito.

Um homem pode até não ter condições de parir um bebê, mas não duvido de que seja capaz de gerar para este filho um abrigo e um abraço quente. Quem disse que isso também não é ser um pouco mãe está redondamente enganado. Existem milhares de pais que são mães em tempo integral, que não podem amamentar seus pimpolhos nos seios, entretanto, os alimentam com o leite que brota do coração, com o vigor que só as palavras de quem ama é capaz de dar.

Portanto, se analisarmos bem, todos nós já fomos mães um dia. Eu fui um pouco mãe daquele amigo que não sabia falar de amor e eu ajudei, fui um pouco mãe daquela criança que alimentei ontem na rua, fui um pouco mãe daquela pessoa que não sabia ouvir a si própria e eu ensinei. Não tenho útero e nem sou capaz de dar a luz a uma criança, mas sou um pouco mãe daquela pessoa que amo e procuro arrancar de dentro do próprio silêncio, daquela amiga insensata que bebe além da conta e precisa da minha bronca para ser domesticada.

Com certeza, mesmo que a biologia e a ciência digam que não, você também já exercitou seu lado materno um dia. Você foi mãe daquela ex-namorada que você ensinou a correr com alegria pela vida, foi mãe daquele cara que você conheceu na balada e nunca mais reviu, mas que naquele momento se alimentou das poucas palavras de amor e da atenção que você dispensou a ele. Você foi mãe daquele irmão que se perdeu nas drogas e te procurou, mãe da sua mãe, quando ela deprimiu e você precisou dar a luz aos sonhos e ao mundo dela.

Pode até ser que não exista com tanta força, mas não consigo conceber que o lado materno existente em grande parte das mães não esteja presente também em nós, independente do sexo. Somos todos mães adotivas de alguém. A verdade é que a mãe biológica de todos os filhos é a vida. Sendo assim, fica a minha homenagem àquelas mães que o são porque optaram por amar quem não saiu de seu útero, que pode até não existir, e levaram estes filhos por opção para dentro do melhor ventre que existe: o coração.