quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Obrigado por não mudar

Atualmente, vivemos quase um colapso por conta da palavra “mudança”. As pessoas acordam, todos os dias, querendo mudar. É claro que existem momentos da vida em que necessitamos passar por transformações, em que precisamos mesmo de uma bela recauchutagem. Porém, este verbo vem sendo conjugado com uma banalidade incrível, de modo que estamos nos tornando dependentes dele para alcançar o bem estar. Sem mudança, sem felicidade.

Principalmente no final de um ano, esta realidade torna-se ainda mais gritante. Queremos programar nossa listinha de promessas para os doze meses zeradinhos que teremos pela frente, elaborar quais mudanças iniciaremos em nossa vida daqui pra frente. Acontece que, às vezes, não há a menor necessidade de mudarmos – não como uma obrigação. Basta chegar dezembro e a gente começa a inventar um monte de vontades que nem temos, apenas para atender às exigências da época.

Queremos nos programar para comprar um celular novo, sendo que já adquirimos um há menos de dois meses. Queremos pensar em sonhos gigantescos, quando ainda nem começamos a realizar nossas pequenas vontades cotidianas. Queremos emagrecer, mas nem sequer examinamos, previamente, se isso é, de fato, preciso. É justamente o nosso desespero em mudar que nos empurra para as garras do tédio e da constância. Por isso, obrigado por não mudar.

“Obrigado por não mudar a cor do seu cabelo. Sem dúvidas, o tom natural das suas mechas é bastante charmoso. Você não precisa de chapinha nem de tinturas para ser bela; tenho certeza que o mais bonito em você é o seu coração”.

“Obrigado por não mudar de emprego. A proposta que você recebeu para ir pra longe te renderia mais alguns trocados, no entanto, nada paga a oportunidade de vermos nossa filha crescer juntos. O dinheiro é importante, mas a riqueza de nossa menina é mais sublime”.

“Obrigado por não mudar de namorado. Passamos por algumas crises, entretanto, acredito que o amor, quando verdadeiro, sobrevive às tempestades. Fique ao meu lado e vamos ver o céu... Tenho certeza que, em breve, em sol voltará a aparecer por aqui”.

Obrigado por não mudar de endereço, obrigado por não mudar de roupa, obrigado por não mudar de carro, obrigado por não mudar de personalidade, obrigado por não mudar. Nossa obsessão por mudanças nos torna reféns delas, fazendo com que sejamos incapazes de perceber as transformações que surgem, naturalmente, pelo caminho. Quase sempre elas são belas, mas acabam se perdendo por conta do nosso desespero em mudar logo de janela, o que nos impede de apreciar, com calma, as paisagens tão bonitas que já estão diante do nosso olhar.

Mudanças são importantes, mas nem sempre. Há momentos em que nossas vidas são boas do jeito que estão. Portanto, abone as listinhas e deixe para depois as promessas pra 2011. Permita que as mudanças aconteçam de maneira natural, sem se cobrar tanto nem exigir demais de si e dos outros. No próximo ano, tenhamos cuidado para não nos mudar de nós mesmos.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Nascimentos

Os pais têm suspeitas de que seu filho é homossexual. Conversam com o jovem, que, sincero e honesto, abre o jogo sobre sua sexualidade. “Por que?”, questionam. “Porque a beleza da vida se esconde nos mistérios. É das ausências que nasce o amor. Minha natureza não se tornou imperfeita pelo fato de ser diferente. Só lhes peço que não cortem minhas asas apenas porque quero voar para o desconhecido. Não vêem a diversidade dos peixes do mar e dos animais da floresta? É a multiplicidade de dons e formas que tornam os quadros grandes obras de arte”, responde o rapaz. Por imenso amor e misericórdia, os pais decidem aceitá-lo e o calam com um abraço. Uma estrela guia acaba de se acender no céu do menino.

Quatro jovens saem para a balada e, lá, um deles fica cego diante de tantas luzes. Ele resolve se drogar. Bastante embriagado, cheira e fuma, sem preocupar-se com sua lucidez, que, aos poucos, começa a se despedir. Em pouco tempo, o que ele era é destruído pelas sensações que as substâncias produzem. Adeus, personalidade. O hábito torna-se frequente. Em alguns meses, ele se transforma num viciado. Preocupados, os outros três amigos descem ao fundo do poço e tentam trazê-lo de volta à superfície. Um, leva coragem; o outro, carrega amor; por fim, o terceiro guarda, no olhar, compreensão. Juntos, eles conseguem ajudar a ovelha perdida a reecontrar o caminho do rebanho. Os três “reis magos” deram um presente ao novo jovem que eles ajudaram a (re)nascer.

A caminho da igreja, a mulher encontra um mendigo pelas calçadas. Comovida e com piedade daquele que, embora seja tratado como um bicho, é um homem, ela enxuga seu rosto e o ajuda a carregar sua cruz. Propõe que o homem procure um emprego e, além de alimentá-lo com pão para matar a fome, conversa com ele, para que seu apetite de amor também possa ser saciado. Ele conta que, durante o trajeto para a missa, muitas são as pessoas que passam em busca da eucaristia, mas que não comungam do sofrimento da humanidade. Ele é um dos crucificados e a mulher o ajuda a ressuscitar. A manjedoura está posta para que um outro nascimento possa acontecer.

Em alguma rua do mundo, alguém ajuda um idoso a atravessar a rua. Em algum lar da cidade, a mulher acaba de largar as pedras no chão e perdoa a traição do marido, que, verdadeiramente arrependindo, promete ir e não pecar mais. Por trás daquilo que as portas trancadas escondem, há pessoas vencendo um câncer, tem gente conseguindo um emprego, há jovens concluindo a faculdade, tem homens vencendo o preconceito, há mulheres ganhando vidas. Em alguma esquina do dia, um travesti passa e não é atacado com palavras, a luz é colocada onde possa iluminar. O menino Jesus acaba de nascer.

Nascimentos acontecem a todo momento. Feliz Natal àqueles que souberem enxergá-los.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Bolsa de grife

Comecei a cultivar mais o hábito de ouvir música e, para que isso seja possível, passei a comprar CDs dos artistas que admiro. Uma das minhas recentes aquisições foi o novo álbum da brilhante Vanessa da Mata, intitulado “Bicicletas, bolos e outras alegrias”. Entre as tantas canções que me agradaram, encontrei uma chamada “Bolsa de grife”, que narra algo que tem se tornado comum atualmente: o consumismo como uma tentativa de alcançar o bem estar.

Os versos a seguir são parte da música: “Comprei uma bolsa de grife / Mas ouçam que cara de pau / Ela disse que ia me dar amor / Acreditei, que horror / Ela disse que ia me curar a gripe / Desconfiei, mas comprei / Comprei a bolsa cara pra me curar do mal / (...) Ainda tenho a angústia e a sede / A solidão, a gripe e a dor / E a sensação de muita tolice / Nas prestações que eu pago / Pela tal bolsa de grife”. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.

A superlotação das lojas é um reflexo do esvaziamento que vem tomando conta do interior dos seres humanos. É nas prateleiras que nós pensamos estar encontrando os remédios para o abandono, para a solidão, para a tristeza, para a sensação de baixa auto estima, enfim, para todos os males que nos assolam, como se fosse possível preencher nosso vazio de vida com qualquer bem material. Queremos cuidar dos nossos espaços de dentro, mas não nos damos conta de que essas brechas só são preenchidas com as belezas que insistimos em não ver, com o sublime que não é oferecido em balcões e caixas eletrônicos.

Ele compra um carro para mostrar a todos que tem muito dinheiro, no entanto, gostaria muito era de poder exibir que é capaz de conseguir afeto de graça, sem necessitar de cifras para negociar um gesto de carinho. Ela necessita de um vestido para esquecer o passado, porém, não investe tempo para enfeitar a alma e, quem sabe, buscar a construção de um presente que viabilize a existência de um futuro menos fluído. E, assim, seguimos fingindo que nos livramos de nossos pesadelos, mas basta que nossas cabeças encostem no travesseiro para termos a plena certeza de que nossos sonhos permanecem perdidos, talvez esquecidos em alguma prateleira em que nós os pusemos e de onde, enfeitiçados por embalagens e vitrines, esquecemo-nos de retirá-los.

Temos fixação por roupas de marca e por bolsas de grife – principalmente no Natal –, mas levamos uma vida medíocre, sem raça nem pedigree, nos transformando em verdadeiros vira latas, que se alimentam dos lixos dos outros e nunca encontram morada em si próprios. Não há financiamento nem possibilidades de reavermos nossa felicidade desse jeito, passando nossos dias dentro de provadores de gente e trocando de amores como quem substitui uma camisa. Me digam em que loja ficou perdida a etiqueta de “original” que ficava em nossos corações; pago o quanto for preciso pelo resgate de nós mesmos.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Onde está mamãe?

De repente, você resolveu ir embora. Não me lembro exatamente quando isso aconteceu, mamãe... Parece que faz séculos, foi há alguns meses. Na verdade, não me recordo se a senhora se foi de dia ou de noite, se era sábado ou domingo, se chovia ou se fazia sol. Pra ser bem sincero, acho que você já havia partido, de fato, antes mesmo de sair com mala e cuia de nossa casa. Fazia muito tempo que você não estava, realmente, aqui: seu corpo ocupava espaço no quarto, mas sua mente e seu pensamento já vagavam pela rua há muitos anos.

Mãe, seja sincera comigo: houve algum dia de felicidade em sua vida? A tristeza e amargura estampadas em seu rosto ao longo dos últimos anos revelavam uma mulher solitária e triste. Será que sua alegria se diluiu nessas paredes ou foram as pessoas que aqui viviam as responsáveis por exterminá-la? Sinto falta do seu sorriso, mas não consigo me recordar de situações em que ele tenha soado tão normal e belo quanto o sol que desponta todas as manhãs.

Mamãe, você se foi, e eu fiquei, quando gostaria tanto de ter certeza que ao menos algo de mim foi levado dentro de sua bagagem. Aliás, creio que ninguém saiba do que vou te revelar agora, no entanto, nunca mais fui inteiro desde sua partida. Algo em mim se quebrou nas manhãs seguintes, quando acordei e não a espiei dormir por entre a fresta da porta, conforme era meu ritual de todos os dias. O clarão do dia nunca mais me iluminou do mesmo jeito, portanto, sigo um pouco apagado desde quando isso aconteceu. Quanto tempo tem? Não importa, pois envelheci séculos em poucos meses.

Seja feliz, mamãe, já que por aqui esta velha senhora chamada Felicidade se recusou a visitá-la muitas vezes – ou terá sido o barulho das brigas o responsável por afungentá-la? Tomara que ela tenha encontrado o rumo do seu novo endereço. Inclusive, meus olhos também estão ansiosos por reencontrar os caminhos dos seus. Embora seu olhar carregasse, ultimamente, mais dores do que alegrias, transparecendo marcas de espadas que transpassaram seu coração, sinto saudade de poder cruzar com ele, ainda que se mantivesse calado quase sempre.

Jamais te condenarei por ter ido embora, mas também nunca esquecerei que não consegui fazer nada para ajudá-la. Queria que você tivesse me revelado mais possibilidades para te encontrar, quando, na verdade, seu silêncio era seu modo mais reservado de gritar por ajuda. Inicialmente, pensei que jamais te perdoaria por não ter me contado; depois, percebi que eu jamais me perdoaria por não ter notado.

No mais, um segredo: não há uma noite sequer em que, antes de dormir, eu não me lembre de você. Você me faz falta, e não imagina quanta! Estou gestando algumas mudanças e gostaria muito que você, mamãe, estivesse por perto para, mais uma vez, me ajudar a dar a luz a elas. Se, por um acaso, seu futuro for abortado, retorne: não tenho um útero, mas prometo aquecê-la com o meu abraço.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Desperdício de vida

O governo implementou o Horário de Verão no Brasil com o intuito de minimizar o desperdício de energia elétrica. Há inúmeros movimentos que visam conscientizar a população quanto à necessidade de evitar o desperdício de água. Economistas e profissionais do ramo não deixam de ensinar às pessoas o que fazer para não desperdiçar dinheiro, bem como pais rezam a mesma cartilha para seus filhos. Concordo com todas as ações mencionadas acima, mas lamento, profundamente, que sejamos tão relapsos quando o assunto é o desperdício de vida.

Diariamente, deixamos que uma grande quantidade de vida escorra por entre os dedos de nossas mãos. Não fechamos a torneira interior que nos inunda de sensações e sentimentos negativos, e, consequentemente, afogam nossos sonhos e nossas reais necessidades. Existem indivíduos cada vez mais preocupados em não desperdiçar tempo com “besteiras”, mas que acabam, de fato, fazendo isso, sem perceberem, ao desprezar situações que poderiam se transformar em momentos eternos. É justamente por prezar somente o que se pode enxergar que a morte vem se tornando visível a olho nu em nossa sociedade... Nossas nascentes de vida estão muito poluídas.

Desperdiçamos vida com o stress desnecessário, ficando horas de mau humor, deixando de construir e cultivar relacionamentos sólidos e duradouros, pondo de lado a espiritualidade, esquecendo os amigos, desacreditando do poder do amor, não perdoando alguém que nos traiu brutalmente, entre tantas outras práticas, vistas como normais e comuns nos dias de hoje. Acatando a ideia de que o desperdício de vida se tornou banal na atualidade, estamos nos tornando seres cada vez mais áridos e desertos por dentro. Há pessoas que choram porque só conseguem molhar a face, quando, na verdade, é o coração que está seco e necessitaria de um gesto que pudesse irrigá-lo.

Vivemos uma escassez assustadora de abraços singelos, que nos aquecem também o olhar; de beijos verdadeiramente amorosos, sem dependerem intrinsecamente do sexo para serem legitimados como tal; de minutos do dia a dia dedicados à oração e à reflexão; enfim, de uma série de medidas que poderiam nos tornar pessoas muito mais vivas, não fosse a insistência que temos em trocar vida por dinheiro. Não é à toa que muitos se preocupam apenas em comprar casas e jóias, esquecendo-se de que a felicidade não é alcançada através de cifras. Somente com vida é que se pode adquiri-la!

Há um número crescente de pessoas dedicadas a não medir esforços para evitar o desperdício de tantas substâncias e fontes vitais à humanidade, no entanto, quase não se fala no cultivo do maior bem que temos. E, depois, ainda queremos nos justificar, dizendo que o término precoce dos relacionamentos, a crise nas famílias e a solidão são conseqüências desse mundo de hoje, “Tão imediatista!”, “Tão consumista!”. Nada disso. A escassez de vida é apenas um sintoma do nosso descaso com ela.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A benção dos humanos

Entre os tantos livros que já li de José Saramago, escritor português morto há alguns meses, “Memorial do Convento” aparece entre os melhores. O ponto de partida dessa trama é a construção de um monumento histórico, ou seja, o convento que aparece no título, fato que se desdobra em um leque de tramas paralelas fabulosas e revela personagens inesquecíveis.

Um deles é o padre Bartolomeu de Gusmão, um religioso que tem um sonho bastante ousado para a época – século XVIII – em que a trama da obra se passa: voar. Para tanto, o homem pretendia construir o que chama de passarola, máquina que lhe proporcionaria o alcance de tal feito. Os detalhes que envolvem essa curiosa invenção podem ser conferidos no livro, mas o que quero destacar é uma frase dita por Bartolomeu num dado ponto da história.

Em meio a um momento de dor e confusão mental, quando dois personagens pedem ao sacerdote que os abençoe, ele retruca: “(...) Abençoem-se antes um ao outro, é quanto basta, pudessem ser todas as bênçãos como essa”. No exato instante em que me deparei com essa intrigante resposta, pus-me a pensar que os milagres que, frequentemente, pedimos ao céu podem estar a um triz de nossas mãos. Quem dera que ao olhar tanto para o alto não perdêssemos a clara noção do que acontece ao nosso lado.

Todos os dias, milhares de pessoas pelo mundo oram e pedem a Deus que as abençoe, correm às igrejas para rogar por feitos espetaculosos, suplicam aos habitantes do reino celestial que olhem para a desordem e caos que se instalaram cá embaixo. Obviamente, cada uma dessas práticas é válida, mas só se concretiza, de fato, quando antes nós abençoamos uns aos outros, fazendo com que Cristo possa agir por meio de nossas mãos.

Há sempre um amigo esperando pela benção de um abraço, existem mendigos aguardando pela benção de um pedaço de pão e de um pouco de atenção, há filhos indo dormir sem serem abençoados pela benção do amor de seus pais, existem pessoas que caminham pela vida sem serem agraciadas com a benção de um amor verdadeiro. Esses milagres, e tantos outros, são passíveis de serem realizados por mim, por você ou por qualquer outra pessoa que carregue no coração a maior graça de todas: a multiplicação da solidariedade e do afeto que remove montanhas.

Muitos fiéis rogam a Deus que sejam abençoados com carros, mansões, empregos, situação financeira estável, namorado honesto, família harmoniosa, no entanto, não se levantam dos bancos das igrejas para tornar real a graça que tanto almejam. Há milagres acontecendo o tempo todo, em silêncio, sem que seja preciso a abertura do Mar Vermelho ou caminhar sobre as águas para que sejam evidenciados. Pudessem ser as bênçãos dos humanos tão grandiosas quanto essas em verdade e graça e não haveria tantas ressurreições sendo evitadas por aí.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Se eu não te amasse tanto assim

Se eu não te amasse tanto assim, talvez perdesse os sonhos dentro de mim e vivesse na escuridão. O amor acende luzes em nossos caminho, nos ajuda a viver livre do breu de nossos medos. Assim, você é um poste em minha vida, constantemente aceso, me ajudando a encontrar o rumo de casa, me ensinando a não perder o rumo de dentro. Se eu não te amasse tanto assim, talvez meu sorriso já tivesse se tornado preto e branco e eu não conseguisse nem ao menos me alegrar de forma tão colorida.

Se eu não te amasse tanto assim, talvez não visse flores por onde eu vim, dentro do meu coração. O amor cria jardins em nosso olhar, impedindo que ele se encha de ervas daninhas e não consiga mais enxergar as belezas da natureza que nós mesmos criamos. Por isso, vejo uma flor em você, constantemente enfeitando a janela, me convidando para acordar melhor a cada manhã, me tranquilizando para dormir melhor a cada noite. Se eu não te amasse tanto assim, talvez não restassem pistas pelo meu percurso e eu já tivesse me perdido de mim mesmo.

E as estrelas, que hoje eu descobri no seu olhar, essas estrelas vão me guiar. O brilho da sua existência vai sempre me conduzir ao encontro da redescoberta da minha, e, quando a noite dos problemas esconder a luz, suas estrelas serão um clarão no meu céu. O amor nos transporta para lugares aos quais nunca chegaríamos sem o auxílio dele, é ele quem dá asas ao que em nós não consegue levantar vôo e repousa, é ele quem vivifica o que em nós está morto e quer ressuscitar. Se eu não te amasse tanto assim, talvez não tivesse inspiração para escrever textos tão poéticos e minhas palavras não fossem nada além de silenciosas.

Você é um personagem da vida real, um herói que não voa, mas me leva ao céu quando me beija; um mocinho cheio de defeitos, mas com virtudes que se agigantam e os tornam pequenos diante delas; um príncipe que não tem cavalo nem olhos azuis, mas que é valente o suficiente para me ajudar a escapar do buraco das dificuldades e encontrar a amplidão da liberdade. Se eu não te amasse tanto assim, talvez minhas histórias perdessem a graça e não existisse mais lirismo em meus parágrafos, que não cantariam mais, como fazem agora.

Então, se eu não te amasse tanto assim, talvez minha lucidez se tornasse um pouco louca e e eu não soubesse mais rimar nem expressar sentimentos através do meu olhar. Dizem que milagres só acontecem em casos extremos e que bençãos são alcançadas apenas quando nos focamos no alto. Que bom que Deus me emprestou você, que transforma minha vida simples vida num pedaço glorioso do céu.

Texto inspirado em música de título homônimo, composta por Herbert Vianna e Paulo Sérgio Valle, e interpretada, originalmente, por Ivete Sangalo.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Os sonhos de uns e outros

Recebi, com alegria, o e-mail de uma leitora, que disse ter se emocionando bastante ao ler a crônica “Luz dos Olhos” - que encontra-se no arquivo do último mês de setembro deste blog. A jovem revelou que se sentiu feliz e satisfeita por saber que, se existe alguém que ama outra pessoa da forma expressa no texto, ela também poderia realizar um sonho que tem em mente: encontrar um homem com quem pudesse viver um sentimento tão lírico – e real – quanto o que foi (de)escrito por mim.

A mensagem da moça me despertou para uma questão importante. Não raramente, temos em nossas vidas situações, pessoas e oportunidades pelas quais uns e outros dançariam até tango no teto se isso fosse preciso para alcançá-las. Os sonhos que você ainda não conseguiu realizar acabam de se tornar realidade para alguém do outro lado da rua, para a vizinha que mora no quarteirão ao lado, para aquela amiga que não achava que seria capaz, para aquele jovem que sonhava em se formar e acabou de se sentar num banco de universidade. Se foi possível em outras freguesias, só não será aqui também se nós impossibilitarmos os fatos, deixando de construir estradas que viabilizem a chegada ao patamar que desejamos.

Minha leitora sonha com o amor que alguns souberam construir, dorme e acorda pensando em encontrar um sentimento que fica surdo em meio ao barulho das festas, que não cabe nos clichês que inventaram para ele e, consequentemente, anda fora de moda. Porém, o que para ela é um sonho, para outros é a realidade alcançada às custas de muita dedicação e paciência, não apenas fruto de uma busca desesperada, mas sim resultado de um cultivo sadio e equilibrado. Só é possível colher aquilo que plantamos; as sementes que vingam são aquelas às quais nos dedicamos na medida certa, nem regando até encharcar, nem negligenciando até murchar.

O carro que você gostaria de comprar está na garagem de um homem que se empenhou bastante e trabalhou com afinco para tê-lo. A paz por você tão sonhada reina no lar daquela família que prima pelo diálogo e que não dança conforme o ritmo que a televisão toca, cultivando a autenticidade em um mundo loteado por cópias. O emprego para o qual você está há anos se preparando acaba de ser alcançado por um homem que não esperou a sorte bater a sua porta; ele mesmo quis descobrir onde esta sabichona estava escondida.

E assim a vida segue, sendo preenchida por sonhos que nunca imaginávamos alcançar, mas que só se tornaram possíveis porque demos um passo em direção a eles. O impossível leva algum tempo até tornar-se tangível; fazendo a parte que nos cabe, as impossibilidades se dissolvem, mostrando que basta um pouco de ousadia para abrir portas que nós mesmos insistimos em manter trancadas. Os sonhos de uns e outros só se tornaram possíveis porque eles descobriram que as chaves para abrir os cadeados da vida encontravam-se escondidas dentro de cada um deles. Sonhar não custa nada, mas realizar, sim.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Macho e fêma

Essa semana, tomei conhecimento de um fato que me deixou perplexo. Um dos pastores protestantes mais conhecidos da atualidade, Silas Malafaia espalhou centenas de outdoors pela cidade do Rio de Janeiro, os quais traziam a seguinte mensagem: “Em favor da família e preservação da espécie humana”, finalizada com um versículo bíblico que afirma que “Deus fez macho e fêmea”.

De modo cada vez mais assustador, inúmeras religiões utilizam a Bíblia para embasar e justificar seus ataques a diversos grupos existentes na sociedade. No entanto, em uma de suas obras, o padre Fábio de Melo alerta para os perigos de transformar as Sagradas Escrituras em um álibi do pensamento negativo humano. “Tenho medo quando o discurso religioso é utilizado para responder de forma mágica a questões que são humanas, sangradas no asfalto das cidades, em lugares que nossos olhos não alcançam. (...) Como homem da religião, tenho constatado que o discurso religioso, quando mal aplicado, pode ser tão nocivo quanto o discurso desumano dos assassinos”, revela o sacerdote.

Com o perdão da palavra, a manifestação de Silas Malafaia soou para mim tão nociva quanto o discurso desumano de qualquer pessoa, menos de um líder que deseja nos aproximar de Deus. Privar uma pessoa do direito de amar é também uma forma de matá-la, de retirar-lhe parte da vida e a abandonar no vazio de uma vida que não é vivida de forma plena. Assim como não posso acreditar que exista um Deus isolado da natureza, do mar, da sacralidade de um abraço e das demais belezas sublimes da vida, me recuso a crer que nós possamos existir longe das belezas de nossa própria natureza.

Sou contra o aprisionamento dos pássaros e tolher de uma pessoa o direito de amar apenas porque ela se sente atraída por alguém do mesmo sexo é, aos meus olhos, tão maldoso quanto cortar as asas de uma ave e impedi-la de voar; é tão vil quanto colocar um inocente atrás das grades; é tão cruel quanto crucificar o Nazareno.

Infelizmente, grande parte dos movimentos religiosos se valem de Deus para tornarem-se juízes da sociedade em que se inserem, no entanto, tornam-se tão cegos quanto a justiça dos homens. Pregam um céu, mas condenam seus fiéis ao inferno de um aprisionamento de ideias, onde só vale o que está escrito. Assim, parece que Jesus tem vários donos no mundo moderno, pessoas que se apropriam de seu nome e passam a utilizá-lo como forma de assassinar moralmente aqueles que discordam de suas crenças.

Muitos cristãos estão se transformando em assassinos em série, matando sonhos e destroçando esperanças, deixando de visitar os que passam fome de justiça, os que têm sede de amor, os que estão nus por causa do preconceito, os que estão presos nas celas da depressão.

Deus fez macho e fêmea, mas também nos deu coração para que consigamos agir como tais. Chamam os homossexuais de aberração e os consideram uma ameaça à família. Nada disso. Está para nascer aberração pior do que coroar com espinhos quem só quer ter o direito de amar fora do sepulcro.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Campo minado

No próximo domingo, 3 de outubro, milhares de eleitores brasileiros vão às urnas para eleger, entre outros cargos políticos, o presidente do país pelos próximos quatro anos. Gostaria de poder dizer que todos estão preocupados em tomar essa decisão da forma mais correta possível e, assim, preparando-se para o pleito, analisando propostas, pensando em quem eleger. Mas, infelizmente, isso não é verdade.

Mesmo estando às vésperas das eleições, já topei com inúmeras pessoas que dizem ainda não ter nem parado pra pensar em quem são seus candidatos. A guerra está chegando e não estamos preparados. O exército se aproxima e nos pegará desprevenidos. Estamos entrando num campo minado sem a noção de que nossa principal arma – o voto – está sendo subestimada. Não temos reservas para seguir; apenas sede de uma justiça que nós mesmos não fazemos acontecer.

Esses pensamentos nasceram da seguinte frase, de autoria do britânico Winston Churchill: “A política é quase tão excitante como a guerra e não menos perigosa. Na guerra a pessoa só pode ser morta uma vez, mas na política diversas vezes”. A guerra entre as tropas que vivem nas câmaras, esplanadas, prefeituras e senados desse país gera mais feridos do que podemos imaginar.

É uma situação que se arrasta há anos e não começou agora. Nenhum problema nasce da noite para o dia. No entanto, estamos feridos quando precisamos do Sistema Único de Saúde (SUS) e constatamos que não é possível ser ajudado por um órgão que anda mal das pernas, precisando ele mesmo de ajuda. Somos bombardeados quando nossas crianças crescem diante de uma má formação escolar porque não tiveram acesso a um ensino público de qualidade, quando nossos jovens perdem a chance de estarem nos bancos de uma faculdade porque lhes confiscaram o direito a estudar. A democracia está devastada cada vez que alguém mata porque não teve a oportunidade de viver.

Não percebemos, mas, diariamente, vivemos em meio a uma constante guerra. Cada centavo que vai para dentro das malas voadoras e das cuecas de políticos leva também a nossa dignidade. Não é somente o dinheiro que está sendo roubado; nossas chances de construir um país melhor também são aniquiladas diante dos tanques da corrupção, que nos atiram pra fora do bem, que nos abandonam dentro do mal.

Na guerra da política, estamos sendo mortos várias vezes, vendo nossos sonhos serem sepultados, assistindo à nossa própria desgraça e achando que isso é uma benção. Não é. Quando você entrar na cabine de votação e estiver diante da urna eletrônica, lembre-se que este gesto é a única arma que você tem em mãos. Cabe a você decidir se deve “matar” ou “morrer”. Você vai estar entrando num campo minado. Um movimento em falso e... Bum! Nossa cidadania vai pelos ares.

domingo, 19 de setembro de 2010

O que me falta

“Sempre há alguma coisa que falta, guarde isso sem dor. Embora, em segredo, doa.” Esta citação é do fantástico escritor brasileiro Caio Fernando Abreu, que dispensa apresentações.

Quando não há muito o que pensar, minha cabeça se esquece dos lugares cheios de minha vida e começa a focar nos espaços vazios. A sua também te trai dessa maneira? A geladeira está repleta – e o coração também. Há bastantes livros guardados no armário, bons amigos reservados no peito, algum dinheiro para passar a semana, um amor fresquinho e quente por perto. Tento guardar, sem dor, que falta alguma coisa. Mas, em segredo, dói.

O que me falta me transforma em pedaços do inteiro que eu poderia ser.

Me falta uma infância verdadeira, pai e mãe vivendo em harmonia, família perfeita, como aquelas que aparecem nos comerciais de margarina. Me falta a oportunidade ser criança, de chorar na hora certa para não ter que chorar depois – como estou fazendo agora. Me falta proteção, um abraço que seja à prova das balas que minha lembrança dispara contra mim, alguém blindado, que possa enfrentar os tiroteios que armo. Tem gente ferida dentro de mim, tem eu.

Me falta um reflexo idealizado no espelho, do qual eu consiga me orgulhar sem pensar em balanças nem em estrias. Me falta um rosto mais contido, e não esta face que tenho, tão transparente que deixa vazar a alma. Me faltam segredos, ter o que esconder para quem tanto me mostro, ter o que contar quando eu já não conseguir mais ser a novidade. Me falta uma mão maior, grande ao ponto de ser capaz de afundar em mim e arrancar as espinhas que não aparecem nas minhas bochechas. Me falta um grito para calar as vozes que fazem barulho debaixo do meu travesseiro. Tem gente calada dentro de mim, tem eu.

Me falta o posto de protagonista, uma história que dependa muito de mim para acontecer. Me faltam figurinhas no meu livro de memórias, personagens que, um dia, rasguei do meu cartaz. Quadros, sorrisos emoldurados, canções em forma de gente, poesias transformadas em gestos, discos tocando os sons do desejo que já esqueci. Me falta o aconchego, a alegria do abraço na chegada, a tranquilidade de ser esperado, um navio que para poder navegar pelas minhas terras desconhecidas, um porto para poder retornar às minhas terras esquecidas. Tem gente respirando dentro de mim, tem eu.

Não me falta nada, me falta tudo. Me faltam passarinhos cantando na janela, uma cama à minha espera, uma vida com a luz acesa, apenas me esperando chegar. Me falta auto estima, a convicção de que estou dando certo. Me faltam caminhos, estradas asfaltadas, placas nas esquinas. Tem gente perdida dentro de mim, me falta eu.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Angélica

Justamente na época do ano em que se comemora o dia da Independência do Brasil, chegou às minhas mãos o filme “Zuzu Angel”, que narra a trajetória da estilista brasileira Zuleika Angel Jones. A artista foi mãe do militante político Stuart Angel Jones, morto num vôo em busca da liberdade. O filho de Zuzu – e também essa mulher – foi apenas mais um dos tantos brasileiros assassinados brutalmente pelas garras da Ditadura Militar. É da luta dessa criatura angelical em busca de justiça que se trata a obra em questão, assinada pelo cineasta Sérgio Rezende.

Na trama, a estilista é interpretada pela brilhante atriz Patrícia Pillar, que dá vida ao drama de uma mãe desesperada, em busca do paradeiro do próprio filho, que foi calado por aqueles que não suportavam ouvir a voz da dignidade e de quem ousava sonhar. São exemplos como o de Zuzu – que teve o ponto final de sua história colocado em 14 de abril de 1976 – que me fazem acreditar que a Independência do Brasil não foi conquistada em 1822. Se até bem pouco atrás temos relatos que extinguem qualquer indício de independência moral, como podemos acreditar que somos independentes há mais de dois séculos? E, hoje, será que podemos afirmar isso?

Ainda existem milhares de “Zuzus” por aí, mães assassinadas na madrugada porque decidiram lutar pra dar uma vida melhor aos pequenos, mães que vêem seus filhos serem mortos por balas perdidas, mães que não são capazes de dar a luz aos sonhos de sua própria cria, mães que morrem por dentro porque não conseguem dar vida àqueles que mais amam. Zuzu Angel buscou, até as últimas conseqüências, o direito de quem não podia mais se defender. Também não será essa a situação das milhares de mulheres que levam broa de fubá aos filhos na penitenciária em dias de visita? A diferença é que o grito daquela época era calado com violências e torturas físicas; hoje, basta a indiferença e a injustiça para atarem as mãos dos que buscam dignidade.

O descumprimento da lei é uma tortura na alma. A impunidade é um corte na língua. O despreparo da polícia é um soco no estômago. A corrupção dos advogados é um tiro no pé. O silêncio da justiça é o grito do desespero. Atualmente, a Ditadura Militar não nos violenta mais, porém, todos os dias, nossa cidadania é espancada e saqueada pelas ruas, vivendo à mercê das migalhas que os poderes jogam a nós.

O filme de Zuzu Angel termina com uma versão inédita e especial da música que Chico Buarque compôs, exclusivamente, para homenagear a artista. “Angélica” é o nome da canção. “Quem é essa mulher / Que canta como dobra um sino? / Queria cantar por meu menino / Que ele já não pode mais cantar”, dizem alguns versos da letra. Certamente, Zuzu foi um anjo que ajudou a construir um pouco da face independente desse país, que ainda tem muitos sinais de mutilação. Independência? Não. É de morte que temos vivido.

Luz dos olhos

Se você está por perto, meus olhos pousam em você e vão longe. O cachorro da madame, o rabo de saia em plena festa, os músculos daquele saradão que acabou de atravessar a esquina. Nada disso importa: meus olhos seguem apenas os seus, querendo encontrar os rastros do seu vôo em minha vida. Feito um avião que cruza o céu e deixa vestígios de fumaça por onde passa, você é uma nave no ar, desenhando no meu céu as mais belas paisagens. Não importa a hora que o sol irá se por: basta você se afastar para a noite cair. Mesmo que faça dia lá fora, o meu se apaga um pouco cada vez que a luz dos seus olhos não o está iluminando.

Quando eu olho pra ti, vejo os fragmentos de milhões de pequenas coisas que, somadas, me dizem que tu és o homem da minha vida. Os meus olhos vibram ao te ver: são dois fãs, um par. Sabe aquele estádio lotado, indo ao delírio porque o palco se acendeu e o motivo da celebração está prestes a aparecer? Quando você pisa no meu palco, milhares de vozes dentro de mim acenam com alegria, gritam com euforia, silenciam com amor. Revesti com vidro o meu olhar pra poder te enxergar melhor. Agora, ele é capaz de refleti-lo, tornando-se nítido quando você está embaçado, tornando-se claro quando você está escuro, tornando-se paz quando você está em guerra. É este meu segredo para conseguir encontrar terra segura na imensidão e nos mistérios do seu mar.

Abra o jornal, ligue o rádio do seu carro. Eu acabei de escrever um novo texto só pra você ler e saber o quanto seu vocabulário dá uma belíssima história. Porque essa crônica eu fiz agora, apenas pra você conseguir enxergar os milhares de protagonistas que você pode ser dentro da sua novela. Só pra você ter a percepção do quanto você tem milhares de linhas para compor o mais belo enredo, dezenas de cordas para compor o mais belo tom, centenas de quadros para expor a mais bela galeria.

Espalhei cartazes pela cidade à procura de você. Preciso encontrá-lo, rapidamente, para que você não se condene ao inferno antes de conhecer o paraíso. Siga onde vão meus pés porque eu te sigo também. E eu te amo. E grito que te quero. Embora você fique quieto, tomara que seu silêncio diga que você me quer também.

Texto baseado em canção de título homônimo, composta por Nando Reis.


sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Em busca do Planeta Perdido


Marte, Vênus, Júpiter... Não me identifico com nenhum destes planetas! Confundem-me com terráqueos, mas tenho certeza que não sou daqui. No planeta que procuro, ainda moram seres humanos, pessoas de verdade, que não sentem de mentirinha. Não é esta Terra povoada por máquinas e produtos ambulantes a órbita que eu escolhi para viver: por isso, estou em busca do Planeta Perdido.

Lá, beijos não são encarados como fontes inesgotáveis de prazer efêmero, mas sim vistos como carícias ternas entre duas pessoas que pretendem se conhecer muito além dos lábios. Na Terra que vislumbro, relacionamentos são construídos com tranqüilidade e dedicação. Constroem-se pontes sobre as dificuldades, ao invés de se permitir que a altura delas nos leve ao chão. O amor não é enxergado como um impedimento ao prazer nem a bebida roubou a lucidez de seus habitantes. Alô, alô, aqui quem fala é humano... Alguém sabe de que reino estou falando?

No Planeta Perdido, políticos não caminham pesados porque carregam milhares de dólares nas cuecas e dezenas de pesos na consciência. O governo é um reflexo da sociedade que é regido por ele, e vice-versa. Nem prefeitos roubam o dinheiro dos impostos, nem cidadãos vendem o voto. Pais ainda respeitam os filhos, que, por sua vez, ainda sabem respeitar os pais. Homossexuais não são chamados de aberrações nem mulheres são condenadas a vender o sexo para comprar a janta. No espaço que procuro, vale o que somos e não o que estamos vestindo.

Por favor, se alguém souber quando partirá o próximo foguete para o Planeta Perdido, não deixe de me avisar. Quero levar para lá uma foto desta Terra, devastada pelas queimadas do egoísmo, poluída pelos tóxicos do sexo gratuito, onde falta oxigênio para respirar o ar puro dos sentimentos sinceros. Assim, com um bom exemplo em mãos, poderei apontar aos habitantes que se salvaram um modo de NÃO levarem suas vidas. Com a prova do crime, conseguirei evitar que novos inocentes sejam condenados à cruz sem antes conhecerem a beleza do caminho.

Há quem me pergunte se o Planeta Perdido existe mesmo, se este não será mais um fruto dos meus devaneios. Mas, ainda prefiro acreditar que ele só está perdido porque nós deixamos de encontrá-lo, que essa Terra sonhada não existe apenas porque nós deixamos de construí-la. Sendo assim, na Lua ou em qualquer parte do Sistema Solar, há sempre um Planeta Perdido dentro de nós. Basta a luz de uma estrela para acendê-lo.

O pior

Você não veio. A mim, restou o de sempre: a mensagem não respondida, o celular apagado, indicando a ausência dos seus sinais. Restaram os seus silêncios espinhosos, sua gélida indiferença, aquele abraço gostoso que não pode ser dado. Restou o lado vazio da cama, a porta trancada, a certeza da dúvida. Demorei a dormir, me remexendo para os lados o tempo todo. Mas, não era uma posição o que eu procurava. Era você.

Ontem, juro que senti vontade de sair gritando pelas ruas, até esvaziar totalmente meu pulmão de ar. Quem sabe assim também você sairia um pouco de dentro de mim, liberando algum espaço para que eu possa ocupar-me. Ando por aí fragmentado, parecendo umas dessas dobraduras que as crianças fazem para impressionar os pais. Me dobro todo pra ver se caibo no pequeno espaço que você me reservou em sua vida, mas nem neste cômodo apertado você me deixa ser inteiro. Nem no pouco você me deixa ser muito.

E por mais que eu queira enfeitar sua vida, você não me deixa ficar na sala. E por mais que eu queira te proteger do vento, você não me deixa fechar as janelas. E por mais que eu queira ficar por perto, você mantém trancas e cadeados em todas as entradas. E por mais que eu te ame, você insiste em correr desse sentimento, como se ele fosse te engolir a qualquer momento. Tem sido difícil pra mim amar tanto e ver tanto amor sem ter proveito. Tanto amor querendo te fazer feliz, mas só conseguindo escrever este texto triste.

Aí, de repente, me lembro daquele tempo em que éramos, exclusivamente, amigos e você não passava um final de semana sem me perguntar o que iríamos fazer. E me dá uma saudade danada de ter um quarto só meu na sua vida. Hoje, divido a cama com seu desespero, que não me deixa nem sequer ver seu sorriso da janela. Naquele tempo, minha presença era capaz de dar significado aos seus espaços vazios, meu brilho tinha força para preencher suas lacunas obscuras e sem cor. Agora, apenas o que vejo são linhas tortas, um texto sem pontuação, um castelo abandonado, prestes a ruir. É pena que minha voz não seja mais ouvida pelos súditos que restaram dentro dele.

Seu abraço é um foguete que me leva para passear entre as estrelas. Sua companhia é um barco que me conduz por entre o mar das alegrias mais gratuitas e belas. Seu sorriso é uma estrela brilhante, cintilando sozinha num céu totalmente escuro e apagado. Você me acende por dentro, com este seu olhar de arco íris, com este pote de ouro do outro lado do coração. Por isso é que é tão difícil me conformar com suas mudanças.

Não sei, mas acho que tudo que você está fazendo são seus esforços inconscientes para me perder. Você não me faz mais companhias nas noites que surgem em pleno dia, não me leva mais pra passear pelo seu planeta, não me abre mais as portas dos seus mistérios, não me conduz mais por entre os caminhos da sua alegria. Você está se esforçando pra eu deixar de te amar. E o pior é que nem assim você consegue. E o pior é que nem assim eu deixo de pensar em você, e de acreditar em nós, e de querer que você me abrace, e de sentir que ainda tem jeito, e de te amar hoje, e de ter certeza que te amarei amanhã, e semana que vem, e no próximo mês, e para sempre.

sábado, 21 de agosto de 2010

O preço do voto

Falta pouco mais de um mês para as eleições que definirão os rumos do Brasil pelos próximos quatro anos. A campanha dos políticos corre a todo vapor por todo país e muitos gatunos saíram de suas tocas e estão aí, pelas ruas, à caça de votos que garantam a eles mais alguns tempos de poder e dinheiro.

A corrupção na política não é apenas um problema de quem governa. As práticas ilícitas nascem já nas eleições, frutos de uma população que reclama dos rombos nos cofres públicos, mas que, quando chega a hora de votar, troca sua opção por um saco de cimento. Se os políticos são corruptos quando negociam suas transações milionárias e se envolvem nos mais diversos escândalos, nós também o somos no momento em que não nos escandalizamos diante do errado e, sem pensar duas vezes, nos vendemos ao primeiro que nos oferece um favorzinho. Olho vivo, pois a sujeira está começando de baixo.

Parto da seguinte premissa: candidatos que compram votos hoje, amanhã estarão comprando mansões à beira mar com nosso dinheiro, abrindo milionárias contas no exterior com o suor dos nossos impostos, explorando em suas empresas o suor dos nossos filhos. Se um político se presta ao papel de vilão sem nem ter chegado ao poder, como podemos acreditar que se tornará um herói quando lá estiver?

Por outro lado, cidadãos que vendem votos hoje, amanhã estarão admitindo a venda de drogas na porta das escolas, chorando porque a poeira da rua os faz derramar lágrimas, implorando por um pouco mais de dignidade, quando, na verdade, foram eles mesmos os primeiros a negociá-la. Se uma pessoa não se dá nem ao trabalho de escolher bem quem merece seu voto, como poderá ter a coragem de dizer que merece ser bem tratada?

O voto é uma das únicas armas que temos em mãos para combater as quadrilhas organizadas que vivem pelas prefeituras, câmaras e ministérios desse Brasil. Não solta fogo, mas queima a corrupção. Não faz barulho, mas ecoa pela consciência tranquila de quem sabe utilizá-lo. Não mata, mas ressuscita a dignidade que tanto sonhamos. Não fere, mas deixa viva a democracia brasileira, que nos dá o direito de escolhermos quem irá nos governar. É pena que não saibamos como nem pra onde atirar.

Tudo passa pela política, inclusive as tarifas que pagamos nos ônibus, o preço do leite, a discriminação e o preconceito, as leis e as milícias, enfim, tudo que rege a sociedade tramita pelo Poder Público. O voto vale muito, sim! Nós é que não valemos nada ao vendê-lo.

sábado, 14 de agosto de 2010

A vida em tinta fresca

Cotidianamente, é normal passarmos por algum lugar recém pintado e perceber alguma placa ou aviso, indicando: “Não encoste! Tinta fresca”. Caso algum desavisado – ou abelhudo – toque no local, suas mãos ficarão sujas de tinta. Há dias em que a vida, recém colorida por algum motivo, também está assim: soltando tinta por onde passa.

Nossos dias são murais a espera da obra prima que iremos desenhar neles, a cada manhã em que somos agraciados com o privilégio de levantar da cama. É lamentável que o corre-corre do dia a dia esteja deixando nossas horas cada vez mais acinzentadas, nossos sorrisos cada vez mais desbotados, nossa esperança cada vez mais preta e branca. Todo olhar é suficientemente capaz de pintar e de perceber algo eterno na parede da vida; basta um pouco de doçura para perceber isso.

Vejamos, então, as situações em que temos a nítida impressão de ter diante de nossos olhos uma obra prima, parecida com uma raridade de Pablo Picasso, mas que está ao alcance de nossa visão diariamente.

Com que tintas se colore o espetáculo do beijo de quem nos ama? Repare como tudo parece vermelho, desenhado à mão, retocado, minuciosamente, em cada detalhe. Nos comportamos como se posássemos para alguém que nos desenha por inteiro, o que não deixa de ser verdade, já que nossa imagem ficará gravada na retina do ser amado, pendurada na parede do coração. Não há nada mais belo do que o desenho de um amor verdadeiro.

E uma conversa agradável, com alguém que presta atenção até nos mínimos detalhes de sua personalidade? Perceba como podem ser bonitos os pincéis em que cada palavra pode se transformar se você souber como utilizá-las. O papo vai fluindo e a vida lá, brilhando em tinta fresca, lambuzando quem sabe se colorir com a eternidade de uma das paisagens mais bonitas da vida: o sorriso de quem se ama. A única coisa que nos imortaliza - mesmo - é a memória de quem amou a gente.

Hoje, por exemplo, acordei ofuscado e em tons escuros. A presença de alguém especial e um torpedo entrando no celular modificaram o cenário, tingindo em tons coloridos o meu dia, que parecia que acabaria tão apagado.

O belo está contido no nosso olhar, na nossa concepção e capacidade de pintá-lo como tal. Olho para a rua e vejo a possibilidade de enxergar inúmeras galerias, pessoas onde poderei pintar o mais lindo quadro ou deixar passar em branco, deixando desbotar a cor que seria crucial para iluminar a vida de alguém. Olho pela janela e vislumbro caminhos, a vida em tinta fresca, convidando-me para ser um pintor que sabe enxergar tintas que só o coração é capaz de ver. Olho para mim e me vejo colorido, vibrante. Nada disso existe. Meus olhos, sim, é que insistem em ir longe demais.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O primeiro dia

Ela é jovem, tem 20 anos e, por motivos alheios à sua vontade, foi obrigada a interromper os estudos. A moça estava cursando o quarto período da faculdade de Psicologia, quando, novamente, viu parte dos seus sonhos naufragar. Ela necessitou de muito fôlego para continuar nadando e não afundar junto com eles.

Querendo saber como havia sido o primeiro dia de aula do companheiro, a jovem mandou um torpedo para ele, que não a respondeu. Em seguida, ligou para um amigo e o questionou sobre o mesmo assunto. Ele não demonstrou muita empolgação em suas palavras e limitou-se a dizer que tudo fora “normal”.

Se sentindo um pouco incomodada com o aparente descaso dessas pessoas, ela pegou papel e caneta, sentou-se e, para eles, começou a escrever.

“Hoje pela manhã, quando vi nos jornais e na TV que as férias acabaram, notei um certo desconforto em meu peito, pois as minhas, assim como aquelas visitas incômodas que chegam para atrapalhar a melhor parte do almoço, resolveram permanecer mais um bom tempo comigo. Pra ser bem sincera, nem sei quando poderei despachá-las, de mala e cuia, para bem longe. Vai ser muito difícil não escolher um caderno novo para esse semestre.

Eu, assim como milhares de jovens espalhados pelo Brasil, gostaria de estar, agora, pensando nas aulas que terei amanhã, nos professores novos que, na situação em que me encontro, permanecerão desconhecidos. Se eu pudesse, teria dado um basta em meu descanso, indo correndo ao encontro do que me espera atrás da próxima porta, que, por sinal, está trancada para mim. Por hora, serei obrigada a deixar de lado o quadrinho escolhido para por o meu diploma, que permanecerá vazio por uns tempos – também assim ficará meu coração.

Portanto, percebendo um certo descaso da parte de vocês quanto ao primeiro dia de aula, gostaria apenas que percebessem grande beleza nisso. Embora pareçam horas de estudo como outras qualquer, vocês estão tendo a oportunidade de, mais uma vez, regressar aos estudos, de dar continuidade ao processo, de ver o sonho continuar respirando. Na contramão disso, vou eu, carregando o cadáver do que um dia cultivei, mas que agora só me resta enterrar em algum lugar colorido de minha alma. O epitáfio deste sonho será assim: ‘Foi bom enquanto durou’.

Saibam que os amo e que estou muito feliz por vê-los cada vez mais próximos do alto da montanha, a qual vocês escalam com tanto sacrifício, perseverança e paciência. Avariada por conta da queda, vou, aos poucos, reservar forças para tentar também subi-la novamente. Apenas peço que não se entreguem à banalização do sublime: cada instante dessa escalada merece ser devidamente valorizado, cada novo passo merece ser comemorado como um grande salto.

Hoje, não conheci professores diferentes, não tirei meus livros do armário nem me preocupei em sair do trabalho correndo, pois sabia que a van partiria mesmo se eu não chegasse. Aproveitem bem o primeiro dia, pois só eu sei a dor do último”.

domingo, 1 de agosto de 2010

Inútil

Embora não se ouça falar muito dela atualmente, Lygia Fagundes Telles é uma das mais renomadas escritoras da Língua Portuguesa, tendo, inclusive, publicado inúmeros de seus escritos em outros idiomas. Embora o pretenda fazer em breve, ainda não li inteiramente uma obra de sua autoria. Mas, enquanto isso não acontece, vou me deliciando com os fragmentos da poesia de Lygia que encontro, sem dificuldades, na Internet.

Em um fórum virtual, movimentado por milhares de fãs da escritora, encontrei o trecho a seguir, extraído do livro “Ciranda de Pedra”: “É preciso amar o inútil. Criar pombos sem pensar em comê-los, plantar roseiras sem pensar em colher rosas, escrever sem pensar em publicar, fazer coisas assim, sem esperar nada em troca. A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas da vida. A música. Este céu que nem promete chuva. Aquela estrelinha nascendo ali... está vendo aquela estrelinha? Há milênios não tem feito nada, não guiou os reis magos, nem os pastores, nem os marinheiros perdidos... apenas brilha. Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil. Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a beleza. No inútil também está Deus”.

Imediatamente após ler essas palavras, meus olhos se viram frente a uma janela, de onde pude avistar a beleza daquilo que, secretamente, Lygia chamada de “inútil”, mas que, de fato, é o que dá verdadeira utilidade às nossas vidas.

É preciso aconselhar um amigo, ainda que este nunca venha a seguir as pistas que você dá, ainda que ele nunca se dê conta do quanto são importantes os caminhos que lhe são apresentados durante aquelas conversas madrugada adentro e esquecidos dia afora. É necessário amar também as palavras que são ditas sem por que, aquelas que não desejam nada além de ser ditas, apenas pelo prazer de ser verbalizadas. Uma declaração de amor feita numa manhã comum de segunda-feira, uma conversa banal entre pessoas que se gostam, uma quente discussão entre quem já se gostou um dia e não sabe mais para onde ir. Onde está a utilidade disso? Inútil é não viver nada.

Vivemos numa sociedade baseada na troca, no capitalismo que vende e compra sorrisos, no consumismo que nos transforma em produtos, expostos nas prateleiras das festas, consumidos pelas embalagens e sendo desprezados pelo verdadeiro conteúdo. Numa realidade onde só têm valor as utilidades práticas, como aproveitar o dito inútil, já que este não tem aparentes objetivos nem metas bem traçadas? Treinando o olhar.

Não me interessam apenas as utilidades científicas das flores, mas também a utilidade que eu enxergo nelas, podendo transformá-las em rima ou em verso, em tragédia ou em riso, em saudade ou em presença. Baseados somente em trocas, na utilidade daquilo que ganharemos amando e no que receberemos lá na frente se fizermos algo agora, estamos nos transformando em moedas, que só têm valor quando trocadas por outras. Nesta dança de valores, acontece o verdadeiro troca-troca: útil ficamos nós; inútil fica a vida.

domingo, 25 de julho de 2010

O olhar de arco íris

O som estava alto e a festa já tinha dezenas de corpos se chacoalhando, no ritmo eletrizante das músicas. De repente, notei que você lançava olhares perdidos para a pista de dança, meio que tentando encontrar, naquele mar de rostos bonitos, algum corpo que também conseguisse brilhar por dentro.

Aí, não posso negar que fiquei um pouco confuso, tendo sido inevitável questioná-lo se estava tranqüilo vislumbrar tantas possibilidades de desbravar outros mundos e, talvez, duvidar da certeza de já ter encontrado a terra certa. Sem titubear, você me respondeu: “Tá tudo legal. Estou muito bem acompanhado”.

Neste momento, acabei descobrindo mais um segredo seu: você carrega um arco íris dentro do olhar. Dizem que este símbolo marca uma aliança de Deus com a humanidade, uma promessa de que jamais haverá novamente uma catástrofe capaz de eliminar a vida no nosso planeta. O seu também é um pacto, firmado entre a beleza de dentro e a de fora, que prometeram que só se transformariam nas sete cores quando fossem capazes de brilharem juntas, sem que a deterioração de uma matasse a eternidade da outra. Hoje, este espetáculo está nítido no seu olhar. Basta um pouco de doçura para percebê-lo.

Na regra, todo arco íris é precedido por uma tempestade, mas até nisso você consegue ser exceção; o seu brilha a todo instante! Faça chuva ou faça sol nas estações climáticas da vida, você permanece com este quadro pendurado no rosto, emoldurado nos olhos, no entanto, tangível apenas àqueles que sabem enxergar pelo coração. Há quem olhe e não veja nada, pois é preciso muita audácia para ousar amar aquilo que os olhos não podem ver.

E tem também aquela velha história de que no final do arco íris tem um pote de ouro. Acho que era isso que todos procuravam ontem, naquela festa. Mas, ao contrário do que dizem as revistas e a televisão, o pote de ouro não pode ser tocado com as mãos: somente em pensamento é que se chega aos lugares mais bonitos. Por desconhecerem isso é que todos dançavam e se esfregavam e se beijavam como loucos, pois acreditam que o ouro está contido no pote do nosso corpo. Não é de se estranhar que, conseqüentemente, existam cada vez mais almas pobres, mendigas: essas se contentam com a frugalidade de um ouro falso, que derrete quando exposto ao sol do dia seguinte.

Já o seu pote de ouro é magnífico: está na extremidade entre uma cor e outra, ficando visível apenas a quem consegue coletá-lo, em moedas verdadeiras, através de cada sorriso dado.

As pessoas andam se queixando, dizendo que quase não se vê mais arco íris por aí. Que sorte a minha! Quando eu te encontrar de novo, terei ainda mais certeza de que não preciso esperar chover para ver um.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

No colo

O Brasil inteiro está acompanhando o drama da atriz e apresentadora da TV Globo, Cissa Guimarães, que perdeu seu filho caçula de forma trágica. Sendo uma das figuras mais carismáticas e expressivas da classe artística, Cissa está recebendo o apoio de inúmeros colegas de trabalho, que, o tempo todo, enviam a ela mensagens de consolo e profunda solidariedade.

Acompanhei várias dessas declarações de amizade à artista, mas uma, em especial, me chamou mais atenção: a da novelista Glória Perez, que, em 1992, passou por uma situação bastante semelhante. A autora sentiu a dor da perda de sua filha, a atriz Daniela Perez, brutalmente assassinada por um companheiro de elenco.

Sobre a morte do filho de Cissa, pelo Twitter, a escritora se manifestou através das seguintes palavras: “Tudo o que eu queria era botar a Cissa no colo. Força, amiga! Te abraço em silêncio...”.

Em sua declaração, Glória ofereceu à amiga o que de melhor pode haver em momentos como este: um colo que dispense qualquer palavra.

Existem situações na vida que dispensam palavras – a morte é a principal delas. Diante delas, reagimos sempre de modo clichê, oferecendo ajuda material, falando demais, verbalizando os pêsames, quando, na verdade, um gesto bastaria para, ao menos, amenizar a dor de algo muito maior do que nosso vocabulário.

Frente a uma trágica perda ou ruptura, como não sentir-se acolhido no colo de quem se ama? Dentro de um colo quente, o inverno parece mais brando, o frio da dor, aos poucos, passa a não nos congelar tanto, já que estamos embalados pelos sentimentos calados de alguém muito especial. Mesmo em silêncio, isso diz muito.

Um colo verdadeiro para o tempo, transformando o instante: embalados por ele, ficamos tão pequenos que aprendemos a ser grandes de novo. Viramos crianças, prestes a conhecer os mistérios de momentos que palavra nenhuma é capaz de preencher: basta a respiração de alguém por perto para dar-nos a sensação de que é possível seguir em frente.

E este colo muitas vezes pode ser oferecido, como bem citou Glória Perez, em silêncio, sem que os ruídos do mundo interfiram na ligação profunda e verdadeira que existe entre olhares que se abraçam sem precisar de mãos.

No colo, no abraço, na mão estendida e nos demais gestos que não carecem de dramatizações ou palavras, tudo pode acontecer. Inclusive, um coração avariado pode sentir-se freado e encontrar novamente o ritmo certo de suas batidas, percebendo que só morre quem deixa de existir dentro de nós.

Sei que é costumeiro sermos todos redundantes diante dos momentos tristes e que temos boa vontade em encontrar frases que possam amenizar a dor de quem amamos. No entanto, não há palavras mais verdadeiras e sutis do que aquelas que dizemos sem precisar dizer nada. O melhor consolo do mundo é dentro de um colo onde cabemos inteiros, sem precisar deixar a dor do lado de fora.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ensaio sobre a cegueira

Já havia lido a obra original, escrita por José Saramago, mas foi assistindo à versão cinematográfica de “Ensaio sobre a cegueira” que tive a oportunidade de visualizar melhor inúmeros detalhes da trama. Sem dúvidas, este é um dos melhores livros que já li – e o filme também não fica muito atrás.

A história gira em torno da epidemia da chamada “cegueira branca”, que, após atingir, subitamente, um motorista no sinal, contamina toda uma região – inominável – e seus moradores – que também só são identificados por características –, sem que nenhum motivo aparente seja descoberto para o surgimento deste mal. Apenas uma mulher fica livre da doença e, durante toda a saga, permanece com a visão intacta, enxergando o horror e o caos em que se transformou o reino dos cegos.

Seria impossível mencionar todos os detalhes da obra aqui, pois são muitos e um acaba sendo mais interessante que outro. Porém, o que fica claro em diversos pontos da narrativa, tanto no livro quanto no filme, é que aquilo não passa de uma metáfora da sociedade em que vivemos, onde os olhos de milhares de indivíduos foram invadidos por um “mar de leite”. Assim como na ficção, nossa cegueira também é branca: estamos envoltos na superficialidade de uma luz que não nos permite ver o que, de fato, importa.

Num mundo cada dia mais capitalista e apegado às coisas tangíveis ao olhar, nossa visão está limitada, ancorada na rasura daquilo que pensamos ver, mas que não passa de uma projeção de nossa cegueira. Somos cegos que, vendo, não vêem. Nossa cegueira é tão branca que nos ofusca a vista, impedindo que sejamos capazes de perceber a beleza de momentos que escuridão nenhuma é capaz de cegar.

“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome; essa coisa é o que somos.” Esta frase está no livro de José Saramago e também é pronunciada, de forma similar, no filme. Cegos, estamos nos deixando guiar pela brancura efêmera do prazer e do dinheiro, o que nos distancia cada vez mais dessa “coisa”, inominável, que somos. A cegueira de que sofremos é cruel, pois pensamos enxergar tudo, entretanto, quando abrimos, de fato, os olhos, somente a solidão nos faz companhia.

Nosso olhar é limitado, mas nossa visão pode ser infinita. Para nos salvar do náufrago da cegueira, é preciso que saibamos enxergar além do que os olhos nos permitem, encontrando a “coisa” que cada um de nós traz guardada dentro de si.

Casamentos estão em queda mais do que a bolsa de valores, alunos agridem professores e dão aulas no quesito criminalidade, relacionamentos começam e terminam num piscar de olhos, sentimentos são banalizados como se fossem mercadorias, pessoas são compradas como se fossem produtos. O caos já está instalado ao nosso redor. Por essas e outras, estamos todos ficando cegos.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Quem é o Cristo?

Recentemente, a liturgia da Igreja Católica celebrou a solenidade dos apóstolos Pedro e Paulo, figuras de extrema importância para a história do Cristianismo. O trecho do evangelho de Mateus narrado nesse dia contou a passagem em que Jesus faz duas perguntas aos discípulos. No relato em questão, o mestre, primeiramente, quis saber: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?”; em seguida, os interpelou: “E vós, quem dizeis que eu sou?”.

Ao ouvir um líder religioso comentar o texto citado acima, a pergunta atualizou-se e se instalou em minha mente: “E eu, quem digo que Jesus é?”.

Jesus é o filho de Deus, que sofreu numa cruz para salvar a humanidade do pecado, mas também é, para mim, aqueles que sofrem pelas ruas, coroados pelos espinhos da miséria e da fome. O Nazareno é aquele que caminha ao encontro do outro, que evita que pecadores sejam apedrejados, que não despreza a oferta de um coração rico apenas em amor e afeto. O Cristo é aquele companheiro que nos liberta do marasmo em que estamos pregados, que ameniza o desespero que pesa sobre nossos ombros. O Jesus que eu conheço ainda sorri pra mim.

Nos dias de hoje, inúmeras pessoas que se dizem cristãs devem ter dificuldade para responder quem, para elas, é o Cristo, pois estão aprisionadas a uma visão limitada da figura central e pilar de todas as religiões cristãs. Espera-se ver Jesus nos grandes prodígios, nos milagres mais espetaculosos, nas igrejas mais lotadas, quando, na verdade, o “verdadeiro” Cristo poderia ser identificado nos gestos e situações mais corriqueiras da vida.

Um dia que amanhece de forma bela, o sol despontando sobre as montanhas, os raios ultravioletas aquecendo nossa pele.

Um namorado que te ama e te quer bem, que possui interesse real em sua vida e que, muitas vezes, te faz andar sobre ás águas através de um gesto, de um torpedo no celular, de uma palavra especial.

Um policial que não se vende nem deixa com que a corrupção corroa seu dever de ser a favor do bem.

Um político que não transporta nosso dinheiro na cueca, mas sim o reverte em benefícios e transformações positivas para a sociedade.

Uma pessoa que se preocupa em te agradar, sem medir esforços para isso, e que te faz sentir um verdadeiro bem aventurado.

Imortal, o escritor português José Saramago, ao ser questionado por um jornalista sobre “Como podem homens sem Deus serem bons?", respondeu: “Como podem homens com Deus serem tão maus?”.

Mais do que me redimir dos meus pecados, o Cristo que sigo me ressuscita todos os dias, fazendo com que eu perceba que a pedra dos sepulcros da vida precisa ser constantemente retirada para que seja possível vê-lo. O Jesus verdadeiro é aquele que nos leva ao céu apenas com o calor de um abraço fraterno. Retirar a pedra do sepulcro de dentro é se permitir ressuscitar diariamente para uma vida nova.

domingo, 27 de junho de 2010

O último pedido

Se me perguntassem agora o que eu gostaria de ganhar de presente, mesmo sabendo que ainda faltam mais de oito meses para o meu próximo aniversário, eu responderia: você. Ta bom, sei que o Natal ainda nem está chegando, mas já estou colocando meu sapatinho na janela pra ver se, de repente, eu olho e vejo: você. Se me oferecessem num cardápio, por exemplo, candidatos loiros, sarados, de cabelos lisos e pernas torneadas, ainda assim meu prato predileto seria: você. Se o sol apagasse neste instante e eu precisasse de alguém para me esquentar, eu escolheria você.

Ao ver o carro em que estamos subir a ladeira, fico feliz por percebê-lo com força o suficiente para chegar até o topo. Pois, você sabe, nós sabemos, que o melhor da vida quase sempre está no alto. De onde se pode ver a melhor a cidade? De onde o por do sol ganha as melhores cores? Onde ficam os frutos mais maduros, as folhas mais belas? Com os pés no chão, apenas confirmamos nossa existência; voando é que nos avistamos por dentro. Se meus olhos fossem cegar no próximo minuto e eu pudesse ver, pela última vez, o rosto de alguém, eu escolheria você.

Simplesmente, não consigo te olhar igual todos os dias. A cada vez que nos encontramos, vejo em você uma nova beleza, escondida num gesto simples ou na sua forma de corar quando fica com vergonha de algo. Meus olhos não se acostumaram a te ver sempre da mesma maneira: você é como um bosque em que, a cada dia, descubro uma flor diferente. Meu olhar estrangeiro busca detectar em você, todos os dias, uma nova estrada, um gesto desconhecido, uma espécie de borboleta em extinção que, até então, ainda não havia saltado de seu sorriso, uma nova nota musical que, até então, ainda não havia soado com a sua voz. Se o baile acabasse agora e eu pudesse dançar com um último príncipe, eu escolheria você.

Ao deixá-lo livre e o ver voar pela cidade, retornando a mim quando quer, percebo o quão verdadeiro é este sentimento que sinto por você, o qual trago transcrito no olhar. Só por amor é que se liberta um pássaro da gaiola, pois existe o risco de que ele não volte mais. Por isso, procuro te alimentar com o que há de melhor: rações em forma de abraços, minerais dissolvidos em beijos, girassóis transformados em palavras, frutos misturados com atenção. Só assim é que te ajudo a sentir-se à vontade para voltar quando sentir sede de mim. Se a cidade escurecesse esta noite e eu precisasse de luz para clarear o olhar, eu escolheria você.

Eu poderia pedir aos céus que a sorte batesse a minha porta e eu ganhasse na loteria, mas isso não seria suficiente se eu não ouvisse mais o barulho do teu carro, todas as vezes em que você chega pra gente se ver. A riqueza poderia até bater a minha porta, mas não teria a mesma graça de vê-lo abrindo as janelas do meu coração com um simples sorriso. Portanto, eu escolheria você. Se me dessem um último pedido, eu escolheria você. Se a vida acabasse hoje ou daqui mil anos, eu escolheria você.

domingo, 13 de junho de 2010

Faz de conta

Não sou especialista no assunto, mas, pelo pouco que conheço, Clarice Lispector é, na minha opinião, a maior escritora da Literatura Brasileira. Firmo esta visão no presente porque o universo clariceano me parece atemporal! A cada nova leitura, fica a impressão de que a obra dessa mulher se transforma, tornando-se pertinente e atual a qualquer época e tempo.

Foi num trecho do escrito “Uma aprendizagem” – ou “O livro dos prazeres” –, da própria Clarice, que li algo que foi capaz de me roubar algumas horas de sono... “(...) fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações (...) faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que ela fechasse os olhos e seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que ela não estava chorando por dentro - pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado”.

Não li o livro citado – encontrei o trecho acima na Internet –, entretanto, foi impossível não me sentir instigado depois de bater os olhos nessas palavras. Simplesmente, descobri que também eu ando “fazendo de conta” muitas coisas.

Não te ligo mais como era de costume, mantenho-me quieto no meu canto e consigo até ficar um dia sem ouvir sua voz. Faz de conta que isso não me incomoda, que estou confortável no papel que me cabe dentro do seu script. Faz de conta que não passo noites inteiras me despedaçando, que é fácil me fazer difícil e ter de arrumar meios para que não te seja difícil me enxergar facilmente. Me visto com cores vibrantes, tons chamativos. Faz de conta que não estou preto e branco por dentro.

Aos poucos, vou aprendendo a deixar os amigos em paz, a não incomodá-los com a minha carência que sempre chama pelo nome de alguém que me falta no peito. Faz de conta que meu coração acostumou-se a se sentar na mesa e ler o jornal sozinho, que ele não se incomoda mais por ter que almoçar uma comida fria porque ficou esperando a visita que não apareceu. Faz de conta que a discrepância entre a fantasia e a realidade não doem como farpas e que disfarçar um sorriso não lateja como lágrima. Todas as minhas emoções vêm originais de fábrica, nascem com selo de garantia. Faz de conta que não sangro quando as transformo em mercadoria barata, peças de camelô.

Então, faz de conta que minha história é cheia de personagens que me compreendem e entendem a dor de guardar no armário, além das tralhas e do amontoado de quinquilharias, um punhado de fantasmas que assombram meus dias e querem me tornar tão mórbidos quanto eles. Faz de conta que não tenho medo desses espectros, que não sou seduzido a me tornar mais um avatar de mim mesmo toda vez que alguém mata o que em mim foi feito para viver. Faz de conta que não sinto a falta dos meus próprios fetos que já abortei apenas porque não havia um pai para eles – eu.

Hoje, nesta noite fria de outono, continuo fazendo de conta que você está aqui, que eu ainda estou aqui. Faz de conta que eu acredito.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Saudade não é doença

Já faz algum tempo que terminei de ler pela primeira vez o livro “Tudo que eu queria te dizer”, de Martha Medeiros. A obra se trata de uma compilação de cartas, autoradas por personagens fictícios, que ganham voz e vida através do talento cintilante dessa brilhante escritora.

A cada vez que releio os relatos, descubro algo que até então se mantinha oculto ao meu olhar. Numa dessas ocasiões, ao ler novamente a carta de Catarina, uma jovem que sai da cidade interiorana onde morava com os pais para tentar se tornar atriz, meu olhos arregalaram-se diante do seguinte trecho: “Pensei que eu sofreria, e descubro uma misteriosa satisfação em ser ninguém – o que não impede a saudade, mas saudade não é doença”.

É, acho que Martha tem razão. Saudade não é doença, mas causa náuseas, enjôo. A viúva sente saudade do carinho que seu marido costumava lhe fazer todas as manhãs, até o dia em que ele se foi para sempre e seu dia nunca mais amanheceu como antes. Saudade não é caso de cardiologista, mas dispara o coração, provoca taquicardia. Saudade de alguém que ainda está perto, entretanto, não te ama como antes; o sentimento é quem se foi para longe. Saudade não passa com gelol, mas incomoda feito dores musculares, nos quebra as pernas como uma lesão na alma.

O garoto sente saudade da mãe, que foi tentar a vida em uma cidade distante. A coberta cai de seu corpo de madrugada e não há mais quem esteja por perto para mantê-lo aquecido. Saudade não é doença, mas dá febre, aumenta a temperatura do coração, só pode ser medida se colocarmos um termômetro por dentro. Saudade das mensagens que ele costumava te mandar, do sorriso que apenas ela tinha, daquela pessoa que tinha interesse real por sua vida. Saudade não é doença, pois não passa com aspirina, não para de gritar no ouvido.

Saudade não é dor física, mas lateja no osso. Saudade é a presença da ausência que não sabemos vivenciar, são músicas que tocam na nossa memória, mas que, misteriosamente, não alcançamos mais como fazê-las tocar no presente. Saudade eu tenho de tudo que ficou no ontem porque não existiram estradas para chegar ao hoje.

Sim, sim. Martha está certíssima. Saudade não pode ser doença: se não há médico que possa curá-la, como poderia se tratar de uma patologia? Saudade é urgente, é caso de emergência, mas só passa quando morre. Saudade não é doença. É tempo chuvoso, gaveta vazia, fotos guardadas. Não, não: não é doença. São cortinas fechadas, livros sobre a cama, lágrimas pela face. Saudade não é doença. É pior.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Feliz sem saber

A prostituta que vende o próprio corpo por uns trocados, embora pareça que não, está em busca dela. Os pombinhos, recém-casados, se uniram para saber onde ela está; os namorados separaram-se para ver se a encontram. Todos vivem ávidos pela felicidade, mas justamente por considerá-la algo tão inalcançável é que permitem que ela escape. Se entendêssemos que a felicidade é algo simples, poderíamos ser felizes sem saber.

“Por que é que, para ser feliz, é preciso não sabê-lo?”, indaga o poeta Fernanda Pessoa. Buscamos ser felizes por algum motivo específico, negando a máxima de que a verdadeira felicidade é aquele sentimento que surge sem raiz aparente. Felicidade é aquilo que dá no coração nos momentos em que a gente está mais distraído, e por isso mesmo não percebe a grandeza do que está acontecendo. Ser feliz com motivos é fácil, difícil é perceber a essência da verdadeira felicidade.

Somos felizes sem saber quando temos alguém que se preocupa conosco, que pleiteia um lugar em nossa vida, que se preocupa quando as coisas não vão bem e se esforça para que a situação melhore logo. Não sabemos, mas somos felizes com aqueles amigos com quem jogamos conversa fora; somos felizes naqueles momentos em que não sabemos valorizar, mas que, de fato, dão rosto e vida à nossa felicidade.

Ser feliz sem saber é aprender a valorizar as situações cotidianas da vida, que podem até ser comuns e corriqueiras, mas que nunca serão banais se nós não nos tornarmos tão medíocres ao ponto de olhá-las como tal.

Nos tempos de hoje, o amor é visto como um impedimento ao prazer e a felicidade, quando ele é, na verdade, o principal caminho para viabilizar a excitação que esperamos nas baladas, que só são cheias de felicidade aparente e rasa, onde não poderemos nos afogar nem tampouco mergulhar mais fundo em busca de entendimento.

Buscamos na beleza passageira e nas alegrias efêmeras um sentimento duradouro, que, é óbvio, nunca será encontrado. Ser feliz sem saber não se trata de mágica; é apenas um novo olhar sob a vida.

Talvez, sejamos felizes sem saber durante grande parte da vida, mas, adormecidos, fechemos os olhos para esta felicidade genuína, que só será percebida como tal quando for tarde demais e a solidão tocar como despertador. Aí, acordados, perceberemos que já era: éramos felizes demais e não sabíamos.