sexta-feira, 25 de maio de 2012

O dia em que a casa caiu

  Pela rua, vejo casas lindas, atraentes, admiráveis, mas que, aparentemente retraídas, parecem vazias por dentro. Mesmo assim, são exuberantes, maravilhosas, coloridas pelo tom glacê com o qual eu gostaria de pintar a minha. Durante muito tempo, sonhei em residir num desses locais, e até cheguei a conseguir, até o dia em que descobri que moradias de aluguel não se sustentam por muito tempo. Sempre chega a hora de voltar para nossa verdadeira residência – e foi isso que aconteceu comigo.

  Retornei ao meu lar genuíno, mais cheinho e espaçoso, que ocupa um maior terreno físico, com rachaduras expostas na fachada frontal. Voltei a mim, no entanto, parece impossível abandonar a fantasia de que aquela casa na rua da frente seria melhor, de que eu seria mais feliz onde as portas fossem maiores e mais convidativas, onde houvesse salão de festas para me reunir com os amigos. Mas, não pertenço a esse tipo de imóveis; tenho poucas janelas (embora amplas), que me permitem enxergar “apenas” os caminhos além das colinas.

  Preciso aprender a ser feliz nesta casa que sou: maior, com cômodos abarrotados de sentimentos e esperanças, de amarguras esparramadas encima da mesa, de sonhos escondidos debaixo da cama. Às vezes, não me caibo nela, de tanto amor sentado na sala, mas é esta a moradia que posso chamar de minha, a que me entregaram sem aviso prévio, sem gramado no jardim da frente, porém, verde onde não se pode ver.

  Sou uma casa que envelheceu por causa das enxurradas, que empalideceu por conta das enchentes. Sim, há um pouco de mofo aqui e ali, mas, também, algumas belezas, que insistem em reluzir na cristaleira do quarto. Sou dessas cheias de porta retratos, porque a memória não me deixa esquecer o que fui, e o que quero ser, e o que se perdeu, e o que desejo achar, e o que. Necessário se faz que eu me acomode aqui, dentro, aprendendo a enxergar a infinitude da casa onde moro, esquecendo, aos poucos, as falsas imagens das casas onde já morei.

  Agora, não tem jeito: as residências da rua podem até continuar sendo atraentes, mas é na minha que terei que me arranjar. Quero aprender a pintar os cantinhos que as tristezas desbotaram, a costurar as cortinas rasgadas pelo temporal da minha ausência, a refazer o chão, desenhado com giz, para que o caminho possa sempre ser redefinido. Há, sim, várias casas lindas do outro lado da calçada, o que não significa que a minha, aqui deste, também não possa ser bonita.