quarta-feira, 30 de março de 2011

Se eu soubesse

Se eu soubesse que você é tão desumana, jamais teria vindo trabalhar ao seu lado. Como pode alguém se sentir tão superior, a ponto de achar que tem o direito de posse sobre o outro? Ninguém nos possui, muito menos os patrões.

Se eu soubesse que sentiria tanto a sua falta, nossa separação não teria acontecido. Não imaginei que a cama ficaria espaçosa demais pra eu dormir sozinho, que minha vida ficaria pequena demais para eu viver nela sem você. Nessa subtração que fizemos, tenho somado dores e, infelizmente, não tenho com quem dividi-las. Me transformei numa vírgula, sirvo apenas para respirar.

Se eu soubesse que o nosso casamento seria tão ruim, essa aliança nunca estaria no meu dedo. Não foi com a mulher que estou vendo que entrei na igreja. Na hora das juras, você se esqueceu de me prometer que seria você mesma, e não essa pessoa egoísta que vejo em minha frente. Será que você se jogou junto com o buquê? Te desconheço, parece que você casou, mudou e nem me convidou.

Se eu soubesse que meu futuro era ser um viciado, jamais teria fumado o primeiro cigarro. A cada trago, minha alma se transformou em cinzas. Agora, que as drogas destruíram minha vida, parece que meu cérebro virou palha. Fui fumado pela cocaína, virei fumaça e, aos poucos, me desmancho pelo ar. Sou um balão de gás... Cai, cai balão... Bum! Caí.

Se eu soubesse que conseguiria me livrar do vício, já teria iniciado este tratamento a mais tempo. Muito obrigado, doutor, Deus, amigos, família. Sem vocês, meus dias continuariam sendo de loucura e destruição. Muito obrigado, eu, por não ter desistido de mim mesmo.

Se eu soubesse que minhas palavras te machucariam tanto, teria pensado melhor antes de dizê-las. Sei que os tiros já foram disparados, mas há algo que eu possa fazer para reparar os estragos? Não foi justo o que fiz contigo, você foi mais uma vítima de minhas balas perdidas. Preciso acalmar minha língua, pois ela anda promovendo tiroteios. Se eu não me cuidar, acabarei virando uma assassina.

Se eu soubesse que era tão fácil pedir perdão, você teria sido procurada há muito tempo. Por que temos tanto medo de assumir que erramos? É melhor fazer curativos do que escrever epitáfios. Hoje, sinto que estamos preparados para recomeçar. Me arrependo tanto de ter te crucificado a troco de nada! Por isso, agora, quero que tirar os pregos da nossa relação, curá-la dos espinhos. Tenho certeza que ressuscitaremos ao terceiro dia.

Se eu soubesse que você iria mesmo embora, teria dito, ontem, tudo que tive vontade de dizer. Não dá mais tempo, já passou. O que calei vai gritar para sempre dentro de mim, as palavras que eu nunca te disse continuarão ressoando em meus ouvidos. Nunca tive coragem de assumir, mas te amo. Ouviu? EU TE AMO! Que pena que você não me escuta mais.

Se eu soubesse.

terça-feira, 29 de março de 2011

A beleza do patinho feio

Conheço um lindo patinho feio. Mesmo sendo diferente dos belos cisnes – estando aí seu arco íris –, pois possui um corpo gordinho e rechonchudo, a beleza dele é a mais verdadeira de todas. O patinho feio é naturalmente bonito, de modo que não depende de aparências para ser legitimado como tal. O problema é que ele, cansado de ser desprezado, decidiu que quer ser como os outros: um cisne magro, que logo de cara chame a atenção, que não precise de esforços para ser elogiado nem querido.

O patinho feio que conheço tem esperanças geladas, tanto que, transformadas em gelo, elas derretem quando expostas ao sol da realidade. Detesta espelhos, pois o enfrentamento com sua própria imagem o coloca em um ringue contra si mesmo, e, este duelo, o patinho sabe que não pode vencer. Tudo que o lembra a respeito de suas curvas é rejeitado, porque ele não acredita que alguém possa amar uma fera ferida enquanto há tantas belas por aí.

A poesia de seu olhar toca a paisagem ao redor, deixando tudo colorido, no entanto, dentro dele há páginas empoeiradas e envelhecidas, às quais ele se agarra, pois acredita que são um meio de voltar a ser o que ele nunca foi um dia. O patinho feio cresceu ouvindo que era diferente dos demais e acatou as rasuras como verdade. Por isso, ele detesta que mintam pra ele. No fundo, sabe que bastam as farsas que ele mesmo inventa para sobreviver, como se fosse impossível suportar o peso que acha que tem.

O sonho do patinho é ser magro e robusto como seus amigos, é ser escolhido numa vitrine, pinçado entre tantos bichinhos de pelúcia. Ele estava cansado da solidão da prateleira, de viver encoberto. Ao mesmo tempo em que rejeita os sorrisos de plástico e combate as vidas descartáveis, estando aí sua maior beleza, o feio mais belo que conheço tem o desejo de chegar às alturas e ser coroado com as estrelas, de subir na lua e, lá, ganhar apenas um abraço. Hoje, ele tem a companhia de um outro pato, que ele mais do que tudo na vida, pois o enxerga como um foguete, como uma possibilidade de ir até o infinito.

Este patinho carrega a chave de todas as belezas dentro de si, tendo-as guardadas. Sabe os segredos do universo e surfa com as palavras, mas tem medo de se afogar nessas ondas. Ele voa, voa... E, de repente, chora como se seus olhos fossem nascentes, de onde, milagrosamente, brotam lágrimas doces. Tem as asas mais belas que já vi: sonhos e imaginação.

Quem me dera conseguir contar ao patinho feio o quanto ele é de ouro e de nuvens, o quanto me alegro e me orgulho de seus dons de anjo, o quanto faz milagres com o olhar, o quanto muda destinos, o quanto é belo e feito de chuva, o quanto ele é querido por um belo cisne que, por amor, se transformou em pato, enfim, o quanto me sinto feliz e abençoado por ser ele.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Jejum de que?

Foi dada a largada para a temporada de jejuns. Milhares de cristãos conservam a tradição, consolidada pelo Catolicismo, de se abster de algo ao longo da Quaresma. A maioria dos adeptos da ideia costuma deixar de comer carne durante os 40 dias desse tempo. Mesmo sendo católico de carteirinha, não entendo as bases desse costume do modo como o vejo sendo colocado em prática. As pessoas não comem bifes nem picanha, mas continuam se alimentando da vida dos outros, deforando a carne alheia. O jejum, no fundo, é de que?

“O verdadeiro jejum tem como finalidade comer o alimento verdadeiro, que é fazer a vontade do Pai. Ele deve servir para mortificar nosso egoísmo. Na época atual, o jejum perdeu um pouco seu valor espiritual e adquiriu mais, em uma cultura marcada pela busca do bem-estar material, o valor de uma medida terapêutica para o cuidado do próprio corpo”. Palavras do Papa Bento XVI. Fatalmente, o jejum ganhou ares de dieta: deixa-se de comer carne para evitar as calorias, e não pra valorizar a reflexão em detrimento da ausência do material. A vontade de Deus fica pra depois, enquanto priorizamos nossos desejos pessoais.

O jejum é um instrumento de aproximação com a esmola e com a oração, uma forma de contemplarmos o vazio e, dele, extrair pedras preciosas. Devemos jejuar para transformar o silêncio em ação, para que o egoísmo seja mortificado e a carne de dentro ganhe um novo aspecto, menos sangrado e mais vigoroso. Não adianta nada evitar gorduras, pizzas, excesso de doces e churrascos se o exagero de fartura continua minando de nossas atitudes, se continuamos ferindo quem amamos, se não curamos as feridas dos que sofrem, se não deixamos cicatrizar a dor de quem nos pede perdão, se permanecemos matando os sonhos uns dos outros.

Os rostos e corações machucados provam que nossos jejuns não passam de fachadas, pois não produzem o milagre de ressuscitar brilhos no olhar e sorrisos sepultados. O alimento verdadeiro é a vontade do Pai e só pode ser comido quando a vida se transforma em um prato cheio de amor, fraternidade, paz e esperança. Nossa fome de justiça é que precisa ser saciada. Caso contrário, até a sexta-feira da paixão muitos outros inocentes terão sido crucificados ao lado Cristo.

terça-feira, 8 de março de 2011

Mulheres artificiais

Se até o início da década de 30 as mulheres brasileiras não tinham nem direito ao voto, o ápice da vitória desta classe é que, hoje, uma delas é a presidente do país. Sem dúvidas, elas estão no poder e há muito tempo já deixaram de lado o rótulo de “sexo frágil”: elas dirigem, elas fazem compras, elas disputam de igual pra igual com os homens no mercado de trabalho, elas são bem sucedidas, e, ainda assim, elas são mães, medrosas, vitoriosas, mulheres.

Mesmo diante de um quadro marcado por grandes avanços da classe feminina, um detalhe me assusta: a quantidade de individuas que estão se deixando fabricar-se em laboratórios. Mulheres que não assumem a idade e se tornam inimigas do tempo, lutando contra ele por meio de cosméticos, cremes, bronzeamentos artificiais e plásticas. Não sou radicalmente contra os artifícios adotados para retardar um suposto “envelhecimento”, mas me preocupo com a deformação que eles estão provocando na vida de muitas dessas vencedoras. De maquiagem em maquiagem, o verdadeiro rosto vai ficando soterrado embaixo do pó e do blush, até que um dia ele se esquece como abraçar os outros.

“Uma mulher bonita não é aquela de quem se elogiam as pernas ou os braços, mas aquela cuja inteira aparência é de tal beleza que não deixa possibilidades para admirar as partes isoladas.” A autoria da frase é atribuída ao filósofo Sêneca e ela cai como uma luva para a reflexão que se faz pertinente em meio às comemorações de mais um Dia Internacional da Mulher: depois de terem conseguido, finalmente, um lugar ao sol, por quê elas não o aproveitam cada vez mais? O exagero da vaidade está descolorindo a obra de nossas guerreiras.

Que graça têm frutas de plástico? Nenhuma, pois perdem o sabor e o viço, ficam sem paladar e transformam-se em peças artificiais, que só são bonitas quando vistas de longe. Assim também ocorre com as mulheres: quando se tornam de cera, derretem quando estão em frente ao espelho. O olhar, lotado de rímel, deixa de possuir a singeleza da flor do campo, e, sem pétalas, perde o brilho. Os lábios carnudos, desenhados com plástica, podem até representar o padrão estético do século XXI, mas não expressam a verdade do que fora substituído.

A luta das mulheres até aqui foi gigantesca para que elas permitam que tudo se resuma a sombras e apelo sexual. Tanta pintura está fazendo com que as obras de arte, antes belas e atraentes, caiam na situação deplorável dos muros pichados. Rugas, marcas, estrias e celulites não são mais perigosas do que a possibilidade de ter um rosto tão artificial quanto uma fruta de mesa.