quinta-feira, 1 de março de 2012

Despedida

  No último fim de semana, o coração de minhas irmãs M. e G. foi golpeado violentamente, e, por tabela, o meu também. Morreu a mãe dela e um pouco minha, a quem eu chamava quando criança, com carinho, de Tia Dinda, por se tratar da madrinha de meu irmão. Um câncer tirou-a de nós, paralisando nossos sorrisos e nos deixando, talvez para sempre, com um tumor que quimioterapia nenhuma é capaz de destruir: saudade.

  Sozinho, não conseguirei falar dela, pois mal começo a escrever e as lágrimas me lembram que Tia Dinda não está mais a um telefonema de distância. A partir de agora, só em pensamento é que vou poder abraçá-la, pedindo que me benza antes de sair de sua casa altas horas da noite, que engrosse o caldo do feijão, porque precisaremos de sustância para suportar a eterna fome de sua presença. Então, primeiramente, recorro aos versos de Chico: “Oh, pedaço de mim/ Oh, metade amputada de mim/ (...) A saudade é o revés de um parto/ A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”.

  Quando alguém que amamos parte para nunca mais, é assim que passamos a viver: sofrendo a dor de parir pra dentro. A agonia é sem fim porque o luto, ao contrário de uma gestação, não dura apenas nove meses; permanece chutando nossa barriga a vida inteira. A morte de Tia Dinda semeou um feto em nossos corações, que, por hora, ainda grita, sentindo a falta da mãe que se foi. Um dia, o bebê-saudade haverá de se transformar em esperança, deitando no travesseiro das lembranças que ela deixou, dormindo com a sensação de que ela ainda está cantarolando enquanto faz o almoço ou estende a roupa no varal.

  Porém, enquanto isso, a saudade de Tia Dinda nos bagunça, tira os lençóis da cama, vira-nos do avesso. Agora, estamos aqui, com nossos quartos desarrumados, porque somente ela sabia como alinhar os travesseiros. Falta ela com seu jeito sistemático de querer organizar o mundo, de se preocupar que nada estivesse fora do lugar. Agora, Tia Dinda, por ironia do destino, nós é que ficamos desajeitados com a sua partida. Continuaremos temendo a chuva, já que a senhora tinha pavor de trovões, mas já não teremos receio quanto às enchentes, porque termos sido inundados pela dor de perdê-la foi suficiente para causar estragos. Por favor, nos ajude a limpar o lamaçal dessa tempestade.

  A poetisa Elisa Lucinda, por ocasião da morte de sua mãe, escreveu um poema para lembrá-la. “Que desperdício/ que descuido/ (...) Não de ela perder a vida/ mas a vida de perdê-la”, diz um dos versos do texto. O mesmo se aplica a Tia Dinda: que pena para nós ter que lhe dizer adeus – ou até breve. Quero, ainda, citar Adélia Prado, sussurrando uns versinhos para minha amada tia: “...mãe, mãezinha, mamãezinha, mamãe, e o reino do céu é um festim, quem escondeu isto de você e de mim?”.

  Durante todo o tempo em que redigi esta crônica, chorei. Então, Tia Dinda, mesmo com seu medo de chuva, rogo que nos ajude a atravessar a tempestade que começou quando seus olhos se apagaram e, consequentemente, o sol também.