sábado, 27 de junho de 2009

Eu, caçador de mim

Sinceramente? Essa história de pensar em voz alta às vezes cansa! Quando sento para escrever, começa o burburinho. São muitas pessoas dentro de mim querendo falar, várias vozes querendo se expressar ao mesmo tempo. Não sei quantos moradores há aqui dentro, só sei que não são poucos. “Por tanto amor / Por tanta emoção / A vida me fez assim / Doce ou atroz / Manso ou feroz / Eu, caçador de mim”, dizem os versos de uma das mais lindas canções da Música Popular Brasileira, interpretada brilhantemente pela voz emocionante de Milton Nascimento. Quando olho para “mim” e procuro me encontrar, me sinto caçando “nós”. Sou muitos moradores querendo viver em apenas um lugar...

Há dentro de mim uma cidade cenográfica, um palco de teatro, uma estrutura “hollywoodiana”. Mocinhos, vilões, heróis, antagonistas... Há personagens que perderam o sentido dentro da história, mas ainda não tive coragem de descartá-los. Existem também atores que não comparecem aos ensaios e, por isso, acabam realizando tudo que querem no improviso, na hora “H”. Tenho dentro de mim um elenco secundário que não permito que seja fotografado, que fica sempre nos bastidores. Esse não distribui abraços pela rua e nem sai na capa do jornal. Egoísta que sou, talvez esteja privando o mundo do meu lado mais intocável e assustador, que costuma quase sempre ser o melhor.

Quando olho pra dentro e pergunto “Quem será o próximo a se pronunciar?”, vejo dezenas de mãos levantadas. Noto a presença de inúmeros homens e também de algumas mulheres. Quando todos resolvem falar ao mesmo tempo, o que vem acontecendo com freqüência diante dos últimos acontecimentos, é difícil distinguir qual voz tem mais chance de acertar, qual está mais inclinada ao erro, qual tem mais razão. Acho que será preciso eleger um síndico para orientar os moradores desse prédio, antes que a confusão se torne maior. Alguns desses moradores andam se estranhando aqui dentro e temo que a qualquer momento tenha início uma revolução. Só não sei decidir quem eu quero botar pra fora...

Há em mim lágrimas, que de tão doídas, só escorreram pra dentro. Há sorrisos íntimos que não quis dar pra fora, amores não resolvidos que ainda perfuram, paixões que já nem sei, mágoas que já nem lembro, dores imaginárias que parecem reais. Meu mundo interior se resume a canções que esqueço a letra, a pessoas que nunca fui, a humanos que quero ser e ao choque entre o passado e o presente, que constantemente se esbarram querendo decidir qual é o lugar de cada um. Existem aqui dentro histórias inacabadas, trechos emocionantes de um livro, cenas eletrizantes do próximo capítulo da novela e momentos nostálgicos de uma super produção de cinema. Há uma TV sempre ligada na saudade.
Enfim, confesso: é complicado bater o martelo quanto a escalação de mim mesmo para o próximo momento de minha vida. Até que ponto posso controlar quem está no comando, quem será o diretor da próxima cena? E a respeito do que já passou, que segurança tenho de que guardei na memória o suficiente para alimentar-me daqui pra frente? Amo ou não amo, sinto ou não sinto, ando ou fico parado, sumo ou apareço? Quem de mim está lúcido? Qual precisa rapidamente de um analista? Sou capaz de mudar de opinião várias vezes ao dia, alterno com facilidade entre o claro e o escuro. Alguém mais quer falar? Ninguém responde. Não importa... A vida segue sendo determinada por detalhes, por uma palavra que você não esperava ouvir e, por fim, escutou.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Diferentes ou iguais?

Sempre cresci com algo dentro de mim que insistia em me fazer diferente de todos os outros, que viviam sempre me apontando como o patinho feio ou ainda como o intelectual da turma. Não sei ao certo se, de fato, eu era notado e enquadrado em alguns desses predicados ou se tudo não passava de caraminholas que martelavam dentro da minha cabeça. Sabe aquele sentimento que se destaca dentro da gente e quase nunca conseguimos distinguir se é cria da imaginação ou alguém que enfiou o dedo na azeitona da nossa empada? No fundo, o que é ser diferente?

Ser diferente não significa imitar algo que alguém determinou como tal. Esse não passa de um imitador. Ser diferente é agir com autenticidade. Os diferentes de verdade costumam causar inveja por onde passam, sentimento este que é manifestado através de risadas e deboches, que nem sempre os diferentes suportam e, por esse motivo, acabam desistindo e se juntando à multidão de iguais. Quando morre um diferente, perde-se muito mais do que um ser humano. Perde-se alguém que decide sonhar, amar, viver e não se importar com o preconceito que com certeza sofrerá ao insistir que a vida ainda é bela.

Constantemente, diferentes são confundidos com chatos. Contudo, muito ao contrário, um diferente difícilmente se torna uma pessoa inconveniente, uma vez que conhece como ninguém a arte das palavras e a riqueza do silêncio, quando ele é necessário. Um diferente só é um casualmente comparado a um pentelho por pessoas menos sensíveis ou por aqueles desavisados. Ao taxar um diferente como esclerosado, louco e desprezá-lo de forma preconceituosa, muitos talentos são rechaçados, milhares de vitórias ficam pra depois e dezenas de esperança são mortas. Só um diferente medroso pode chegar a ser chato.

Quando uma pessoa é realmente diferente, ela é capaz de compreender (com cérebro de elefante) o “por quê” seus amigos, familiares, namorados a agridem tanto e censuram suas idéias futuristas. Uma das caractéristicas de um diferente é nunca acostumar-se. Ele vai estar sempre brigando por uma melhora em sua rua, por uma revolta na civilização, por mais amor no mundo, por menos ódio... Sempre correndo atrás das pipas avoadas, que o vento encarregou-se de levar pra bem longe. Sempre atrás dos sonhos, que as dificuldades do dia-a-dia tornam cada vez mais longe suas realizações.

O diferente começa a sofrer bem cedo. Aos poucos, vai crescendo e sofre mais ainda. Entretanto, sabe que a dor é necessária para o amadurecimento e crescimento de cada indivíduo. Mário Quintana adorava “mistificar” pensamentos: “Esses que pensam que existem sinônimos, desconfio que não sabem distinguir as diferentes nuances de uma cor”. A alma dos diferentes esconde brilho e riquezas inestimáveis e poucos são capazes de aventurar-se nessa descoberta. Os diferentes estão por aí: enfermos, paralíticos, machucados, inteligentes demais, emotivos em excesso. Mesmo após essas linhas mal traçadas, aguardo a aparição do sol, que irá iluminar a noite escura, dando algum sentido à caminhada...

domingo, 7 de junho de 2009

Até amanhã

Toda noite, quando o sol se esconde e repousa seu brilho entre as colinas do oeste, a noite se revela trazendo aos corações mais inquietos a necessidade de pensar. A cada dia que chega ao final para cada um, nos despedimos uns dos outros com uma saudação: “Até amanhã”. O empregado diz ao patrão, o namorado diz à sua amada, o filho diz para seus pais, o amigo diz ao irmão, o aluno à professora... Todos, quase sem exceção, despedem-se com a intenção de deixar para amanhã o que a falta de tempo encarregou-se de empurrar pra frente. Mas, o que terá ficado dele se o amanhã não vier? O que ela deixará esquecido se a semana que vem não chegar?

Se eu soubesse que essa seria a última vez que eu digito uma crônica, trataria de dizer tudo que costumo deixar nas entrelinhas. Seria mais claro, objetivo, direto. Usaria menos palavras difíceis e mais verbos populares. Se ela certeza de que hoje é a última vez que vê seu amor, deixaria ainda mais claro o quanto o ama e a extrema necessidade que sente das palavras na hora certa e dos beijos na hora errada. Faria questão de abraçar mais tempo, de brigar menos, de sorrir mais e rogar uma prece ao Senhor para que a vida continuasse seguindo seu ritmo normal. Seria ainda mais romântica do que o usual.

Se eu imaginasse que nunca mais veria meu amigo sair pela porta da minha casa, eu o chamaria de volta, insistiria para que pasasse ao meu lado mais algumas horas, ao menos para que tivessemos a certeza de que o coração continuava batendo na posição e ritmo corretos. Se eu pensasse na possibilidade de não ver mais a minha mãe, esclareceria que as imcompreensões muitas vezes são geradas pelo maior amor do mundo e agradeceria profundamente pela forma sincera e intensa com que ela se dedica a mim.

Talvez eu dizesse algo também ao meu pai, ou quem sabe deixaria que o silêncio guardasse consigo os mistérios dos últimos momentos. Gritaria pelas praças, revelaria todos os segredos do viver ou decidiria levá-los todos comigo, calados. Correria rumo a pessoa que amo, sentiria o vento tocar o meu rosto e deixaria que levasse de mim a última lágrima que eu deixaria escorrer. A possibilidade de estar aqui para fazer algo pela última vez é dolorosa e assustadora, mas por que não a utilizamos para melhorar o viver?


Se nos dedicássemos uns aos outros como se fosse a última vez, mais “eu te amo” seriam ditos sem a certeza duvidosa de que a pessoa já sabe disso, mais perdões seriam distribuídos, mais brigas seriam evitadas, mais felicidade existiria, menos ódio habitaria no coração dos humanos... Ufa! É como diria Millôr Fernandes: “Goze. Quem sabe essa é a última dose?”. Se é bom, gostoso, faça logo... Amanhã pode ser ilegal.