quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Ilhas desconhecidas

    Quem lê assiduamente minhas crônicas sabe que, para mim, José Saramago é o maior gênio da literatura mundial. Os melhores livros que li, até hoje, são de autoria deste escritor português. Poucos dias atrás, terminei de saborear as páginas da obra “Todos os nomes”, e, horas depois, já mergulhei em “O conto da ilha desconhecida”. Não vou entrar em detalhes a respeito das tramas citadas, para não tirar de ninguém o gostinho de descobrir linha por linha da genialidade “saramaguiana”. Basta dizer apenas que em “O conto da ilha desconhecida” encontrei os versos que me inspiraram a escrever este texto.

    Trata-se de parte do diálogo travado entre um homem e um rei, ambos personagens centrais do romance em questão. “(...) Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando o riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem não seria bom contrariar logo de entrada, A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há ilhas desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida”.

    Após ler isso, comecei a pensar em nós, as pessoas, como as tais “ilhas desconhecidas” de que o homem quer ir à procura. Conheço gente que é uma ilha deserta, tão paradisíaca que a beleza do inabitado se confunde com a solidão do vazio de vida. Nelas, a paisagem permanece intocada, sagrada, à espera de algum corajoso que ouse descobri-las. Algumas estão perdidas no oceano, acreditando que o resto do mundo não se interessa por sua virgindade, pelo modo distante com que se relacionam com as superfícies de si mesmas. Outras precisam urgentemente ser desbravadas, antes que a maré suba demais e as inunde, antes que os castelos de sonhos, erguidos na areia, sejam levados pela correnteza.

    Se o personagem de Saramago for à caça das nossas ilhas de dentro, descobrirá pessoas que são arquipélagos gigantes, badalados, tão cheios de visitantes que já não é possível avistar terra firme. Essas se deixaram invadir pela multidão, são praias lotadas como a de Copacabana e, ao passo em que convivem com a festa de receberem muitos banhistas, têm que enfrentar o silêncio do lixo que eles abandonam em suas areias. Algumas estão muito poluídas, perderam com o tempo a limpidez e a clareza, de modo que o fundo de seus olhos foi tomado pelo lixo. Outras tornaram-se impróprias pra banho, viram suas águas serem salgadas em excesso pelos problemas e, consequentemente, transformaram-se no Mar Morto.

    Há, ainda, aqueles de nós que são ilhas tristes e inabitadas, onde a vida foi devastada pelo Tsunami que o fim de um relacionamento provocou, em que a luz do sol foi ofuscada pelo eclipse de uma doença. Por outro lado, existem aqueles que ontem eram ilhas perdidas, até que encontraram um modo de serem novamente visitadas, até o dia em que alguém se aventurou a passear e mergulhar nelas. Somos milhares de ilhas desconhecidas, em busca de um mapa que nos possa catalogar, à espera de navegantes que encarem os ventos da viagem e descubram como erguer castelos às margens de nossas vidas.