segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Amor em minúscula

Para mim, este ano que está acabando foi marcado, principalmente, pela grande quantidade de livros maravilhosos que consegui ler. Entre eles, uma grata surpresa foi “Amor em minúscula”, escrito pelo espanhol Francesc Miralles. A trama principal inicia-se quando, na última noite do ano, Samuel, um professor, tem a certeza de que os 365 dias seguintes não serão muito diferentes dos que acabara de viver.

“Faltava um suspiro para que um ano acabasse e começasse outro. Invenção humana para vender calendários. Afinal de contas, decidimos arbitrariamente quando começam os anos, os meses e até as horas”, diz o autor logo no início da obra. Bingo! Ele tem toda razão. Um novo ano começa cada vez que nós desaprendemos o velho receio de mudar.

Com o desenrolar da história, a vida de Samuel começa a ser modificada por gestos que pareciam ínfimos, mas que se agigantam diante da carga de relevância que acabam revelando no futuro. É a isto que o autor chama de amor em minúscula.

“Entendi de repente que nosso futuro depende de atos tão mínimos quanto o de alimentar um gato ou comprar uma ferrovia de brinquedo. [...] ‘Amor em minúscula’, pensei, ‘esse é o segredo’”, descobre o protagonista em um dos pontos cruciais da narrativa.

Em um mundo que nos parece tão imediatista, onde encontrar o amor em minúscula que nos torna gigantes? Em uma realidade em que as pessoas se fazem “tão” presentes pelo Orkut, MSN e e-mail, como escapar da ausência de si mesmos? O que nos compensará? Instantes sublimes que não têm tamanho.

Uma palavra que fez com que um amigo não desistisse de prestar o vestibular, uma briga boba que fez com que vocês escapassem daquela solidão em que viviam, um olhar banal que os juntou por tanto tempo, um abraço que libertou sua mãe da depressão, uma verdade que salvou seu irmão de uma vida mentirosa, uma atitude bondosa que livrou alguém da morte dos sonhos. Tudo isso são formas minúsculas capazes de escrever um verdadeiro amor.

A vida, nossos anos e minutos são determinados por algo que quase sempre passa desapercebido ao nosso olhar, que acaba vendo importância apenas nas coisas que nos parecem grandes. E assim, buscando atitudes grandes apenas na aparência, seguimos nos tornando cada vez menores.

O que esperar de um novo ano? Que a gente aprenda que o amor mais maiúsculo do mundo pode estar contido em gestos muito singelos. Se for pra ser grande, que seja no tamanho do abraço, na intensidade do amor, no carinho de um beijo, na ternura de um olhar, na compreensão com o outro, no perdão imensurável.

Em tempos onde quase ninguém se olha nos olhos e prazeres fúteis são cada vez mais taxados como urgentes, só mesmo torcendo e se esforçando para que a gente se torne grande através de amores em minúscula que, na verdade, não têm tamanho.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Lista de presentes

Basta dezembro chegar para que Papai Noel apareça e traga em seu saco a necessidade de consumir. O Natal é, todo ano, igual: luzes que só iluminam fora, palavras doces que não modificam nada, desejos insossos que nem são levados a sério. Lista de convidados vasta sobre a mesa, dinheiro a rodo sendo gasto a troco de... ninguém sabe. Época cheia de símbolos, mas vazia de afeto. Quem está nascendo? Ninguém. Quem está morrendo? Nós mesmos.


Sendo assim, na tentativa de que este Natal seja diferente, sugiro algumas alterações nas listas de presentes.


Esqueça o CD que você pensou em comprar para aquele amigo distante. Dê a ele notícias de quanto você o ama. Responda aos e-mails que ele sempre manda, mas que você sempre se esquece de ler, com a desculpa de que anda muito atarefado. Ao irmão camarada que sempre te procura, entregue o afeto esquecido; entregue-se em um abraço sincero. Dê aos amigos, em geral, o presente mais valioso que existe: a coragem de não esconder o que sente.


Você havia pensando em dar aquela roupa linda para o seu parceiro, certo? Tenho uma sugestão melhor. Neste Natal, vista-se dele e permita que perceba o quanto você o quer bem, ainda que discutam de vez em quando. Depois, fique nua: se mostre por inteira, revele a alma, o brilho, os sentimentos, todo o essencial que está guardado dentro de você. Dê-se de presente ao ser amado, permitindo também recebê-lo com festa, inteiro.


Para aquele irmão que você não fala há tantos anos, dê o perdão, a chance de recomeçar, uma oportunidade para que reciclem o passado e transformem-no em um novo presente, abrindo caminhos para que um futuro promissor se revele diante de seus olhos. Para a mãe, a certeza de quanto ela é importante; ao pai, o carinho esquecido na infância.


Inclua-se na lista de presentes e se dê de presente o silêncio, o recolhimento, a reflexão. Aproveite a época para tentar ser mais compassivo consigo próprio, para mergulhar nas profundidades de si mesmo, para se reconciliar com sua parte esquecida. Nasça de novo.


Geralmente, nessa época do ano, as pessoas enchem a boca para dizer “Feliz Natal”, lotam as casas de luzinhas coloridas, transformando tudo por fora mais bonito, mas se esquecendo de iluminar o olhar. As igrejas enchem ainda mais, no entanto, Jesus Cristo quase sempre continua sem um lugar para nascer onde realmente importa: no coração da gente.


O Natal só será realmente “feliz” quando nos ajudar a resgatar a ternura que esquecemos, tornando-a um verdadeiro presente para o ano seguinte. A gente faz demais e sente muito pouco. Fazer é muito barulhento, sentir alimenta, portanto, feliz natal para aqueles que ainda sabem conjugar os verbos que nos modificam por dentro.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Os verdadeiros ganhadores

Dia desses, estava passando em frente a uma dessas casas lotéricas que a gente encontra a cada esquina e, num relance, notei a grande quantidade de pessoas que se aglomerava na fila dos apostadores. Sem dúvidas, todos carregavam seus palpites e a esperança de que a sorte, finalmente, iria sorrir para eles, garantindo-lhes uma bolada em dinheiro, suficiente para manter uma gorda poupança no banco e mandar tudo para o espaço durante algum tempo.

Quando vi aquela cena, tive uma nítida impressão: todos eles, em algum momento da vida, já devem ter sido premiados, embora nem sempre tenham percebido isso. A gente ganha na loteria mesmo quando perde.

Ele ganhou na loteria quando conheceu aquele cara, que, em pouco tempo, tornou-se um grande amigo, um companheiro inseparável para as horas mais decisivas da vida – e também para as mais banais. Ganhou porque soube “perder” um pouco de tempo apostando na importância de uma amizade verdadeira, bacana, dessas que não evaporam da noite para o dia. Ganhou porque apostou na solidez de algo que não depende de números para definir um vencedor.

Ela ganhou na loteria quando “perdeu” alguns minutos para ouvir o silêncio da melhor amiga, que passava por um grave problema de saúde, mas não quis contar pra não incomodar. Ganhou porque aprendeu que a vida não se ganha em cifras, porque percebeu que o salário dos dias não pode ser medido em reais. Ela ganhou na loteria porque apostou na certeza de algo que não é traiçoeiro como a sorte: amor.

Cada um ganha na loteria de uma forma. O vizinho ganha na loteria quando encontra a cura de um câncer, a menina tira a sorte grande ao rever a mãe, o rapaz é sorteado quando recebe o perdão pelo mal que causou a quem ama, o pai é o mais sortudo quando vê seu filho balbuciar as primeiras palavras. A vida está sempre sorrindo para nós, embora quase sempre a olhemos com um mau humor tremendo.

Porém, há aqueles que seguem perdendo feio, levando de lavada, pois insistem em apostar apenas em algo externo, quando, na verdade, o verdadeiro jogo deveria ser feito consigo próprio. O verdadeiro apostador é aquele bota fé em si mesmo.

A gente ganha na loteria no calor de um abraço, na sinceridade de um silêncio, na ternura de um gesto que transforma o nada em tudo. Muita gente perde porque não aposta corretamente. No fim das somas, sempre ganha aquele que aposta na vida, pois ainda que ele perca, terá sido um vencedor.

Façamos, então, nossas apostas no amor, na verdade, no carinho, na compreensão. Quem perder tempo para fazer o jogo correto, certamente, ganhará na loteria da vida.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Tá guardado

Recentemente, conheci a arte de uma jovem escritora chamada Tati Bernardi. Desde que uma amiga me transportou à obra da autora, virei fã. Seus textos são audazes, verdadeiros. A sinceridade de Tati ao se revelar profunda não permite que seu leitor permaneça no raso. Querendo ou não, somos puxados para o abismo de seus textos.

Há poucos dias, terminei de ler um livro de sua autoria, mas foi na Internet que encontrei o texto de Tati que me trouxe até aqui. “Hoje eu só fecho os olhos e lembro de você me pedindo sem graça para eu não deixar ninguém ocupar o lugar da minha canga. Tudo o que eu mais queria, por trás de todos esses meus textos tão modernos, sarcásticos e malandros, era de alguém que me pedisse para guardar o lugar. Tá guardado. O da canga e de todo o resto”.

Olha, gente, não se esqueçam: aqui também tá guardado.

Tá guardado o meu cantinho mais especial, de onde é possível avistar o sol reluzente que trago dentro. No entanto, pede-se que alguém apareça rapidamente para contemplá-lo, pois toda noite é cruel e tenho medo de que tanta luz acabe vencida pelo temor da solidão. Meu sorriso mais sincero tá guardado, mas tenho medo de que ele se transforme em pranto por não ter quem o reparta comigo. Sim, tá guardado. Tenho receio é de mofar por falta de uso.

Meu abraço mais quente, tá guardado. Não faz mal que o receptor venha com frio, pois o calor que se oferece é tanto que parece que só se vê quando o verão mais belo desponta. Entretanto, pede-se que o interessado venha logo, já que todo fogo só se renova com a existência de algo capaz de alimentá-lo. Também sou assim: fogueira, mas sem ter quem coloque lenha.

Tá guardado também meu lado desconhecido. Quem vier, terá longas horas para explorar-me, para se perder em meus cruzamentos, para se desesperar em meu labirinto, para se confundir com as mil faces de mim que nem eu conheço, para delirar com meus devaneios mais secretos. Tá guardado meu segredo, cadeado. Falta apenas o código que irá abri-los, a chave para decifrá-los e libertar-me a mim mesmo.

Tá tudo, tudo guardado. O amor forte, o olhar penetrante, a força escondida, o riso fácil, a gargalhada contida, o braço capaz, a canção mais bela. Tá guardado tanta coisa que eu gostaria de oferecer, tanta vida que desperdiço porque estraga na despensa. Sou muito pouco para gozar de tudo que sou. Por isso, tá guardado. Tô guardado, com muito, muito medo de aqui dentro ficar.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Carta de uma esperança

Mãe,

Pintou dezembro, o Natal está chegando e o ano novo se aproxima. O que isto signfica? Que chegou a hora de você ser vítima de mais uma de minhas cartas. Já que o fim do ano é a época mais propícia para as pessoas vomitarem umas sobre as outras aquele caminhão de promessas sentimentalóides – que serão esquecidas logo em seguida –, vou na contramão dessas bobeiras e lhe escrevo esta carta, recheada de verdades. Espero que você delicie-se.

A carta que segue está banhada. Nem pense que é ouro. Isso seria impossível, uma vez que nossa relação nunca foi tão valiosa ou reluzente quanto este metal. Nós duas estamos mais para prata, bronze. Peças sem graça, que sujam à toa. Nosso amor está mais para bijuterias baratas. Então, como eu ia dizendo, a carta que segue está banhada de mim mesma, encharcada por todos os meus medos. Mãe é pra isso, não é? Quem pariu a bomba que se exploda com ela.

Cheguei da faculdade ontem e o pai daquele nerd idiota estava lá o esperando. Quando vejo a cena de um baita marmanjo sendo buscado pelo papaizinho apenas para não ir de madrugada pra casa, sinto nojo. Prefiro banalizar aquela cena porque sei que ela jamais passará na minha televisão. Prefiro achar aquilo ridículo e tentar me convencer disso do que me achar ridícula porque ninguém está me esperando. É bem melhor assim. Eu banalizo o amor para que a falta dele não me doa ainda mais; eu escrotizo a mim mesma para não me enxergar.

Ah, mãe, você não tem noção do quanto é doloroso para mim chegar em casa, lá pelas tantas da madrugada, e perceber que o lençol da cama está do jeitinho que deixei. Ninguém me esperando, nenhuma panela exalando o cheiro de comida quentinha, nenhum sinal de alguém que vire para mim e diga: “Não consegui dormir. Estava preocupado com você”. Minha solidão é tão cheia que me deixa vazia. Tudo em ordem, nada fora do lugar. Nem em mim as pessoas mexem, pois têm medo de que eu possa mexer com elas. O marasmo desta vida está me tornando tão banal quanto ela.

Quando vim embora, deixei aí inúmeros amigos de fé, irmãos camarada. Infelizmente, eles não aprenderam a nadar contra uma forte correnteza chamada distância. Eu até sei, mas quando chego ao outro lado da margem, já fui afogada pela ausência deles. Não ter quem nos espere parece que faz com que a gente não espere nada de si próprio.

É isso, mãe. A solidão de existir apenas para si mesmos nos torna estrangeiros para o mundo.

Feliz Natal,
Sua filha