quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Gota de primavera

És a pessoa, dona de minha história. A melhor trama que já contei em minhas páginas, a melhor poesia que já escrevi em meu olhar, os versos mais cancioneiros que já gravei em meu coração. Você é um milagre que brotou, irrigando toda a terra da minha vida, que antes era árida e seca. O que hoje brota é fruto da sua semente. Do carinho, tu és a esperança de que a doçura não se acaba. Do agora, tu és um caminho pra depois. É através da ponte criada pelos seus abraços que consigo atravessar os amanhãs.

Estava escrito no firmamento, e as estrelas brilham de acordo com o piscar dos seus olhos. Você é a constelação mais linda do meu céu, meu Cruzeiro do Sul particular. És alegria, és paixão. Na alegria ou num lamento, siamês de coração. Estamos unidos, e o fio que nos liga chama-se amor. Longe de ti, não há deslumbramento possível, pois as pedras voltariam a ser simples pedras. A proximidade dos nossos corações possibilita minha aproximação com os mistérios que quero desvendar. A poesia que conheço tem um endereço: mora em seu sorriso.

Não és miragem, nem quimera. És o menino, és meu ser! Você surgiu nos meus dias como uma miragem no deserto, daquelas em que, inicialmente, não acreditamos, mas que, depois, ajudamos a tornar realidade. Hoje, sua presença é o que me livra das desilusões. Nossa relação é uma rede que me salva e me leva ao outro lado da estrada, onde posso me descobrir e conhecer novos caminhos. E nos teus beijos, sentimentos do nosso conto de paixão. Pensei que amar havia transformado-se em lenda, mas você surgiu como um super herói, me libertando das garras do impossível.

Tudo que penso é tão pequeno para desvendar essa emoção. Nem todas as minhas palavras seriam suficientemente capazes de mergulhar, profundamente, na grandeza do que você me faz sentir. Nossa literatura é feita das multidões de sentimentos, que vivem, todos felizes, em meu coração. Há uma euforia em minha alma quando você rabisca nela, com gestos e carinho, os mais belos desenhos. Minha estação, tão verdadeira... Inspiração do nosso amor.

Quando olho pra trás, penso como consegui viver tanto tempo se você. Demorou tanto nosso encontro... Porém, de forma alguma fraquejei. E agora, que nossa história tornou-se eterna, sei que tu és minha gota de primavera. Em qualquer estação, dia ou semana, basta um fragmento do seu milagre para que haja flores. Dentro de mim.

Texto inspirado em canção de título homônimo, de autoria de Pedrinho do Cavaco e Milton Nascimento, sendo este último o intérprete original da música.

Flores no sertão

Há assuntos dos quais nós, da Imprensa, não temos como fugir. Em meio à tragédia na região Serrana do estado do Rio de Janeiro, como falar dos golfinhos rosas que cruzam o Atlântico neste momento? Não dá. Vendo as imagens da catástrofe, me vieram à mente sentimentos de tristeza e desolação... Mesmo tendo um olhar treinado para isso, me parecia impossível encontrar belezas naquelas cenas de horror e destruição.

De repente, um bebê é achado com vida, junto com seu pai, dentro do lamaçal; um homem é resgatado, vivo, após mais de 16 horas embaixo da terra; um jovem sobrevive depois de ser levado pela enxurrada por mais de 4,5 km. Em meio à secura daquele sertão de mortes e sementes ingermináveis, flores começavam a brotar. As ajudas desandaram a chegar, em tempo recórde, de todos os cantos do Brasil. Caminhões e mais caminhões, repletos de toneladas de donativos, passaram a ofertar àquela paisagem, triste e escura, um toque de cor e esperança. Por alguns instantes, a chuva na região deixou de cair do céu e começou a sair do coração das pessoas: era uma tempestade de solidariedade. A água de amor irrigou o solo. Mais flores no sertão.

Mesmo nos momentos em que a realidade ao nosso redor parece ter se transformado num deserto, cheio de cactos e banhado por um sol a pino, sempre há maneiras de amenizar o calor escaldante dos sofrimentos e produzir miragens que ofertem poesia ao silêncio que impera. Cada gesto de gentileza e de doação destinado aos sobreviventes da tragédia da região Serrana, bem como a qualquer outra, transforma-se numa semente que, milagrosamente, toca o solo podre e o faz tornar-se fértil. O amor faz nascer flores em sertões mais áridos do que os do Ceará.

Se nos mantemos de braços cruzados, nossas mãos ficam impossibilitadas de semear o bem. Pensando que não podemos fazer nada para transformar terras secas em terrenos próprios para o plantio, deixamos que a inércia tome conta de nós e passamos a tão somente lamentar a ocorrência dos desastres. Tragédia é ter sementes em mãos e não ofertá-las para plantar flores no sertão. Não é miragem nem mágica: é só um pouco de compaixão.

Vidas avoadas

No último final de semana, fiz um passeio eterno, pois ele jamais se acabará dentro de mim: fui à praia na companhia de alguém pra lá de especial. O tumulto nas areias era grande e a euforia dos banhistas impedia o deslumbramento diante de paisagens tão belas. Porém, houve uma cena que me silenciou: à beira mar, uma turma de moleques empinava suas pipas, que cruzavam, livremente, o céu. Por alguns instantes, assistindo àquele espetáculo, voei com os papagaios de seda.

A todo custo, os meninos tentavam controlar a altitude e a direção das pipas, que ziguezagueavam pelo céu, nem sempre correspondendo aos estímulos, nem sempre indo para onde devia. Havia momentos em que, por mais que eles dibicassem para a esquerda, o losango colorido insistia em ir para a direita. Metaforicamente, assim também são nossas vidas: agarradas a uma tênue e delicada linha. Basta desenrolar demais nossos carretéis e... avoamos.

Em busca de aproveitarmos cada vez mais nossa liberdade, damos linha em excesso a nossas vontades e sonhos, sem ponderar, antes, a que telhados eles poderão nos levar. Existem diversos perigos espalhados pelo céu por que passamos, pessoas que passaram cerol em suas línguas e, consequentemente, podem nos cortar com suas palavras. Desconsiderando isso, avançamos, cegos, para altitudes em que, posteriormente, não conseguiremos mais nos alcançar. Um simples descuido e a linha se vai de nossas mãos.

Somos pipas que acreditam que quanto mais alto melhor, ignorando singelezas que acontecem no baixo e nos impulsionam para cima. Temos a intenção de alcançar as nuvens e, para isso, dibicamos nossos amores e relações com o máximo de rapidez possível, na esperança de que, assim, possamos logo chegar à imensidão de nossa liberdade. Nessa correria, ocorrem emboladas e, sem rumo, os papagaios, antes belos e imponentes, se perdem nos telhados do mundo.

De onde estou agora, olho e vejo muitas vidas que avoaram. Para essas, o amor que reconstrói será preciso, na expectativa de que, recuperadas as rabiolas e colados os rasgos, elas consigam voltar ao céu.

Altitude nem sempre é sinônimo de vitória. Uma pipa realiza um belíssimo vôo quando seu controlador reconhece suas limitações e cuida para que o excesso de hoje não se torne a economia de amanhã. Temos a linha em nossas mãos. Se avoarmos, não será por falta de liberdade, e sim por excesso dela.