domingo, 29 de novembro de 2009

Bola em campo

Por favor, guardem as pedras. Sei que o futebol é uma das grandes paixões do povo brasileiro, entretanto, sempre vi a devoção excessiva ao esporte como um grande caminho para a alienação – como qualquer falta de limite. Para muitos torcedores, o time de coração representa um brasão, um nome a ser zelado. Me perdoem, mas acho esse exagero uma grande perda de tempo; se faz de tudo por muito pouco.

Porém, há um aspecto que admiro dentro dos gramados: dificilmente os jogadores desistem de uma partida enquanto a bola ainda está em campo. O jogo pode estar difícil e as chances de vitória serem mínimas, mesmo assim, os atletas disputam na raça até o fim. Como resultado, muitas vezes eles obtêm um placar muito melhor do que o esperado. Nós também seríamos mais vencedores se não desistíssemos de nossos objetivos antes do apito final.

Vivemos constantemente em uma partida, driblando outros candidatos àquela vaga de emprego, chutando pra escanteio amores que não nos fazem bem, fazendo falta em pessoas que nos amam e fitando os problemas, mandando-os para o espaço com um belo pênalti.

Acontece que muitas vezes desistimos antes do jogo chegar ao fim, o que acaba fazendo com que a gente não tenha direito nem a prorrogação. Deixamos de aproveitar o tempo que nos resta e acabamos desperdiçando valiosos minutos de nossos dias. No gramado da vida cada minuto pode ser decisivo.

Enquanto o cronômetro estiver rolando, o estudante que está com notas baixas ainda pode se recuperar, a moça que passa por um problema ainda pode superá-lo, o jovem envolvido com drogas ainda pode vencê-las, a mulher que está em depressão ainda pode se curar. Quase sempre nossas desistências desacertadas tiram de nós a sensação de gritar “gol” e nos arrancam a euforia daquele momento, transformando o que poderia ser festa em um verdadeiro marasmo. Desistir antes da hora é muita perda de vida.

Os gramados por aí estão cheio de ótimos jogadores e, pra piorar, de vez em quando topamos com alguns juízes que não vão muito com a nossa cara. Sempre somos capazes de virar o jogo e, como todo mundo sabe, de virada é mais gostoso. Enquanto a partida ainda estiver acontecendo, enquanto a bola ainda estiver em campo, só não vale perder pra si mesmo.

sábado, 21 de novembro de 2009

Ainda gosto dela

Faça uma pesquisa entre os seus amigos e constate: onze entre dez deles já sofreram com a tão famosa dor de cotovelo. É cientificamente comprovado (isso é por minha conta). Pode testar que é batata.

Todos nós já sofremos algum dia com o fim de um amor. Não importa quanto tempo tenha durado: o grau de envolvimento é que define a intensidade da dor que sentimos quando um relacionamento cruza a linha de chegada. O pior é quando nos damos conta de que mentiram para nós durante a vida toda: quase nunca o amor passa. Ele fica.

Faz um ano que eles não estão mais juntos. Assim que terminaram, a amiga disse para ela: “Relaxa, menina. Isso passa”. O tempo passou, mas o amado não. Quando ela pensa em alguém, é por ele que ainda fecha os olhos, imaginando tudo aquilo que não foi vivido. O que lhe dói não é o passado; é o futuro que lhes foi confiscado. Dói tudo quanto não puderam conhecer juntos, as passagens compradas para o carnaval que não foram utilizadas, o vestido lindo que ele não viu em seu corpo. Dói o que ficou para trás sem nem ter vindo pela frente. E aí, ela constata: “Ainda gosto dele”.

Vivemos experimentando novos olhares, conhecendo outros amores, pensando na possibilidade de nos envolver novamente, mas, quase sempre, amamos verdadeiramente alguém que já não está mais em nossas vidas. Somos felizes deste modo, no entanto, bem lá no fundo sabemos que seríamos muito mais se essa pessoa ainda estivesse por perto. De vez em quando, nos surpreende a saudade de quando ríamos do ridículo juntos e, fatalmente, constatamos: “Ainda gosto dela”.

Quando nos damos conta dessa realidade, logo começamos a tramar o início de uma relação para deletar o ex, que ainda é atual em nosso coração. Mas, não tem jeito: essa verdade encoberta por experiências que forjamos para legitimar nossa farsa é um processo que nos prende ainda mais ao amor “antigo”.

Decretar o fim de um amor é atestar também um pouco do nosso próprio fim. É o arremate de uma história onde gostaríamos de inserir mais parágrafos, mas que por falta de vírgulas, encerramos com um drástico ponto final.

O que termina fora de nós sem a nossa concordância só encontra descanso quando o “the end” é colocado onde realmente importa: dentro.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Que eu esteja numa boa

Alanis Morissete é uma cantora e compositora que vem conquistando fãs pelo mundo inteiro – sem dúvidas, eu sou um deles. Suas canções delicadas, interpretadas por uma voz extremamente encantadora e sensível, são verdadeiros tesouros do mundo da música contemporânea.

Entre seu vasto repertório de músicas boas, existe uma que me chama mais atenção. “Que eu esteja numa boa” é uma composição que soa como uma prece de alguém que deseja manter-se equilibrado entre os altos e baixos do caminho, que repercute como um pedido de uma pessoa a si mesma.

“Que eu esteja numa boa, com ou sem você”. Este é o último verso da música. Olhando pra dentro, suplico: que eu esteja numa boa.

Que eu esteja numa boa, mesmo se o telefone não tocar, se o celular não vibrar, se o e-mail não chegar. Que eu não me desespere quando estiver sozinho em casa em um domingo à tarde, quando os amigos não puderem vir, quando a música calar o ritmo... Que eu seja capaz de suportar a minha própria companhia de vez em quando.

Que eu esteja numa boa, ainda que meus bombeiros não percebam que estou incendiando por dentro e se esqueçam de ajudar a apagar o que em mim me arrasa e destrói. Que as cinzas do fogaréu sejam respeitadas como memórias póstumas do que já não existe, mas não encaradas como lamentos de um futuro que não virá. Que a fumaça do incêndio não me tape os olhos para o essencial contido na sinceridade de um abraço, na verdade das palavras.

Que eu esteja feliz, mesmo se os problemas não forem resolvidos da maneira como eu gostaria. Que eu aprenda com a matemática da vida a somar o aprendizado dos amores passados, a diminuir as mágoas do coração, a multiplicar sorrisos sinceros por aí e a dividir o colo, a entrada para o cinema, o edredom quentinho em uma noite fria. Que eu fique em paz, mesmo se não estiver bem. Que eu não desista dos outros; que eu não desista de mim.

Que eu esteja numa boa quando a tempestade varrer as antenas que transmitem meus sinais para mundo e, sendo assim, eu ficar incomunicável. Que eu seja capaz de religar os fios, de arejar o sistema e de voltar a irradiar o que verdadeiramente. Que cada estação do meu calendário seja respeitada e vivida honestamente. Que os personagens fictícios estejam mais na TV do que em mim, mas que meus heróis e vilões também dêem as caras um dia ou outro. Que eu não deixe de andar, mesmo que seja devagar.

Que eu esteja numa boa quando tudo desmoronar, pois é preciso reconstruir; que eu esteja numa boa quando a alegria pintar por aqui, pois é preciso saber recebê-la; que eu esteja numa boa quando me perder, pois é preciso cuidado para não deixar de ver o caminho. Que eu esteja numa boa, mesmo que a sala esteja vazia; que eu esteja numa boa quando a vida parecer escura e só eu puder iluminar.

De vez em quando, é importante que possamos ouvir nosso auto falante interior, percebendo assim o que nossa própria voz está realmente dizendo. Exponho as minhas vaidades. O que calo e sinto é que é verdade.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Apagão

Na semana passada, o Brasil inteiro parou – literalmente – por conta da falta de energia elétrica que atingiu inúmeros estados do país. De pequenas localidades a grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e São Paulo, vários foram as cidades que ficaram no breu total ao longo de mais de cinco horas.

No dia seguinte ao acontecimento, jornais, autoridades políticas, formadores de opinião e demais movimentos expressivos da sociedade confabulavam a cerca dos motivos que podem ter causado o apagão.

Como é de praxe, uns culpam os outros e filho feio permanece sendo órfão. Pra ser sincero, fiquei foi pensando em outra coisa: será que já não estamos no escuro há muito tempo e não nos damos conta? O apagão da mente já começou há bastante tempo...

Nossos geradores internos estão bem mais fracos do que deveriam. Perdemos a energia rapidamente diante de um problema e nos falta luz quase todos os dias para clarear nossos caminhos, ideias e pensamentos. A luz de nossos olhos anda sem graça, ofuscada pelo brilho dos lasers da boate onde passamos as noites dos fins de semana, apagada pelo sol, que permanecemos insistindo em tapar com a peneira.

Nos falta energia para virar a mesa quando estamos insatisfeitos com o pouco que nos oferecem, para correr atrás de uma nova oportunidade de emprego, para vibrar quando marcamos aquele gol que a torcida não esperava mais.

Falta clareza em nossas palavras para elogiar o esforço de um amigo, para abraçar com afeto quem nos procura com medo, para ligar para quem está longe apenas para dizer o quanto ele faz falta perto.

Estamos apagados em nossos relacionamentos, que quase não iluminam mais nossa semana. Apagados na vida e apagando pessoas que deveríamos sublinhar, apagando palavras que deveríamos guardar, apagando sentimentos que deveríamos eternizar. Estamos apagados e nos apagando de nós mesmos.

Não importa quantas panes sejam identificadas em Itaipu ou em qualquer usina elétrica pelo país. Nossos sistemas de geração de força pessoal é que precisam ser revisados e alimentados com os combustíveis corretos: amor, perdão, carinho, alegria, respeito...

O apagão de dentro é que nos deixa no escuro, perdidos na repetição dos dias, sem ar puro para arejar nossa biografia. Não importa quantas luzes estejam acesas do lado de fora e nem quantas lâmpadas foram colocadas na decoração da nova sala. O que dá luz aos nossos dias é a vida que a gente optou por levar.

sábado, 7 de novembro de 2009

Espaço vazio

Gustavo,

Você notou os sinais silenciosos que minha indiferença vem transmitindo a você ao longo de nossos últimos encontros? Últimos mesmo. É lamentável, mas não acontecerão mais encontros entre nós. Pra ser sincera, nem sei se algum dia houve.

Eu poderia muito bem continuar fingindo que sou feliz ao seu lado, que me sinto bem em nosso relacionamento, entretanto, não dá mais. Este espaço vazio que trago no peito suplica por um aconchego; a lacuna que nos separa precisa ser preenchida e, já que a ponte quebrou e não sabemos como chegar ao outro lado de nossa relação, vou ao menos tentar reconstruir os meus caminhos de dentro.

Não tenha dúvida: me dói muito escrever essas palavras, que se encarregarão de cumprir o serviço melhor que eu. Se eu estivesse diante de ti, suas lágrimas iriam acabar me convencendo a não tomar esta atitude e quando seu olhar cruzasse a sala de uma maneira fulminante, meu coração se romperia ainda mais.

Não existirão mais beijos molhados entre nós... A água deles não foi suficiente para suprir a quantidade de nutrientes que meu coração – agora seco – necessita para permanecer vibrando. Seus abraços não fazem mais o mundo ao meu redor parar. Ao contrário, eu é que paro dentro deles: paro de me sentir à vontade, de me sentir bem, de me sentir completa. Quero parar agora antes que esse carro desgovernado cause maior dor e sofrimento a seus passageiros.

Sabe, querido, cansei de ter alguém que seja “apenas” uma carona na minha vida. Estou no volante e somente vejo você como uma pessoa que está sentada em meu banco de passageiros, mas de quem eu pouco sei. Verdade? Nem sequer compreendo para onde estamos indo. Quer dizer, só agora sei: indo embora.

Você não sabe o quanto eu desejei que você fosse o meu encontro, o quanto eu me esforcei para amá-lo e querê-lo da mesma forma que seus olhos me dizem que você me ama e deseja, o quanto eu quis que você decifrasse a charada e me desse a resposta para uma pergunta que me faço há muito tempo: “O que é preciso para que alguém me toque profundamente?”. Não precisa se preocupar, tá? Já sei a resposta. É preciso tocar. Simplesmente.

Esta é uma carta banhada de “nãos”. Meu dicionário interior está bastante cansado deste advérbio de negação. Preciso correr atrás de “sims”. Necessito buscar um “sim” a mim mesma.
Vou começar a partir de agora. É dolorido dizer isso, mas para que eu comece a dizer “sim” a mim é necessário que eu diga “não” a você.

Estou indo. Vou em busca do meu momento. Quero beijos que me irriguem por dentro e abraços que me aqueçam. Não quero mais tê-lo ao meu lado só por pena. Minha decisão está tomada. Dou fim ao nosso relacionamento para iniciar uma nova gramática em minha vida: quero mais exclamações e vírgulas do que pontos finais como este.

Beijos de quem está tirando a vida da mochila,
Letícia