quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Amor de papel presente

Tá pra nascer alguém tão completo quanto Elisa Lucinda, atriz brasileira que também é cantora, professora e poetiza. Esta grande mulher tem a arte como sobrenome e já brilhou em novelas globais, como “Mulheres Apaixonadas” e “Páginas da Vida”, ambas escritas por Manoel Carlos, que é, na minha opinião, o maior autor de novelas da Teledramaturgia Brasileira.

A primeira vez que tive contato com a poesia de Elisa foi através do livro “Contos de vista”, lançado pela autora em 2004. Depois de ler esta obra, passei a tomar conhecimento de seus versos através da Internet, onde estava quando a inspiração para esta crônica me encontrou.

“De alguma maneira hoje / Quero sempre me casar com você... / Para mim este amor é diferente, não é de papel passado / É amor de papel presente”. Que tal se os casais, ao invés de assinarem somente as certidões no cartório, registrassem também o amor que os une por dentro, no olhar, todo dia?

Amor de papel presente é o que sobrevive do hoje, que não se projeta apenas no terreno incerto do amanhã, que não depende estritamente do passado para chegar ao futuro. Este tipo de amor se declara todos os dias: quando não é por uma carta, é por um abraço; quando não é por uma música, é por um silêncio; quando não é por um sim, é por um não. Amor de papel presente só vale no agora, só é passado quando já morreu.

O amor de papel presente não depende de testemunhas para ser formalizado, não depende dos outros para ser ele, não carece de um casamento para ser instituído. Está presente entre casais de namorados que se respeitam, entre amigos que se completam, entre pessoas que se unem em um contraponto. O amor de papel presente é escrito no coração, melhor folha para eternizar os sentimentos finitos que sentimos.

Saia já com esta caneta daqui! Para assinar o amor de papel presente usam-se os dias como ferramenta, o instante imediato como forma de garantia de que nada se perderá enquanto estiver sendo. O amor de papel presente sobrevive do que se tem, sem prometer para amanhã o afeto que só pode ser garantido hoje, sem deixar para depois os sonhos que só podem ser realizados agora.

Elisa Lucinda tem razão quando afirma em sua poesia que deseja se casar cotidianamente com a mesma pessoa, que não quer enferrujar com a rotina, que não quer subir ao altar apenas quando estiver na igreja. Milhares de casais matam o amor que sentem todos os dias porque se aprisionam às convenções, porque se acomodam nas formalidades, porque se esquecem dos detalhes. Vivem das lembranças do que foram um dia e se esquecem do que ainda podem ser agora.

Amor diferente, o de papel presente, vale mais porque dura enquanto o hoje é suficientemente eterno até o amanhã chegar.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Minha herança: uma flor

Maninho,

Quando você apareceu no meu jardim, minha folhagem não andava bem cuidada. Havia muitos galhos necessitando de poda, muitas flores precisando de água, muitos pássaros precisando de alimentação. Tudo isso acontecia dentro de mim, mas você nem percebeu, ao passo que seu silêncio também não me permitia perceber sequer que nossos olhos falavam. A ausência de vozes entre nós abafava nossa própria existência. Acho que era outono.

O tempo passou, o frio aumentou e baniu para longe da gente qualquer temperatura acima de 0º. Estávamos gelados. Lembro-me que, nessa época, nossa amizade ainda não era capaz de servir como um agasalho para as noites badaladas de sábado à noite, onde todo mundo é de todo mundo e ninguém é de si mesmo. Creio que, no fundo, eu só queria ser seu. Seu encontro, seu auxílio, seu tormento, seu remédio, seu amigo. Acho que era inverno.

De repente, da mesma forma como acontecem os grandes mistérios da vida, assim mesmo, sem explicação, nossas pétalas começaram a cair juntas e a, deste modo, se renovar simultaneamente. Nesse tempo, fomos grandes jardineiros um do outro. Nossa comunicação passou a ser inexplicável: era muda, mas falava; era pelo olhar, mas tinha voz; era silenciosa, mas gritava; era sincera, mas escondida; era carinho, mas logo virou amor. Aprendemos que é preciso se deixar cortar para renascer inteiro – e que só se é inteiro quando se deixa completar. Acho que era primavera.

E agora, o sol brilha como nunca para nós. Quando abro a janela ao seu lado e me deparo com a beleza do que vejo, sinto que valeu a pena. Toda saudade virou presença. Todo espaço ficou pequeno. Toda distância nos une. Toda dor nos cura. Toda lágrima nos lava. Toda noite é dia. Todo amor é pouco. Acho que é verão.

De tudo isto que passamos – e pela força sublime do que tenho certeza que virá pela frente –, minha herança pra você é uma flor, plantada diretamente no solo do meu coração. Minha herança são as gargalhadas que escapuliram nos locais mais inadequados, são as danças esquisitas onde o pranto imperava, é o riso contido em meio choro, é a lágrima que escorre por dentro, é ombro amigo que está presente mesmo no passado. A minha herança pra você é o amor. Acho que é pra sempre.

Através desta carta, receba-me e me abrace. Seja feliz, é o que te peço. Não seja refém de si mesmo, não se deixe usar para que seu coração não acostume a ser um objeto. Seja feliz do teu modo, mas construa-o com a consciência de que os fins só são alcançados pelos meios. Acho que é assim.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O deus do possível

Existe um deus que me acompanha, entretanto, não sei se é o mesmo limitado por tantas igrejas, racionalizado por tantos líderes, aprisionado em tantos espaços físicos. O deus em que acredito ainda não foi capturado.

O deus que me acompanha não se chateia com o fato de eu estar escrevendo o teu “nome” com letras minúsculas. Acredito até que ele prefere ser encontrado através de formas tão “pequenas” quanto estas letras: no colo, no silêncio, no barulho, no abraço. Para o deus que é meu amigo, só vale o que se está sentindo. O deus em que acredito ainda não foi dimensionado.

Aliás, o deus em que acredito não é mudo: fala sempre comigo na voz de um amigo, numa música que toca na hora certa, num vento que sopra inesperadamente, na consciência que me acusa ou consola. Sua face não está escondida, ao contrário, está escancarada: basta um olhar aguçado para percebê-la estampada no rosto do outro. A graça do deus que me abençoa ainda não foi limitada.

Não conheço este deus punitivo e rancoroso do qual falam muitas igrejas, pois o que convive comigo não é assim. É óbvio que ele tem posturas duras e severas como qualquer um que ama, que me deixa sozinho de vez em quando no cantinho escuro para refletir melhor, mas nunca me abandona nem joga minhas culpas na minha cara. O deus que está no meu dia a dia sabe que a cruz pesa aonde tem que pesar: dentro. O perdão do deus que me acompanha ainda não foi financiado.

O deus que me ama é tão onipotente quanto o dos outros, entretanto, demonstra toda esta força na compreensão das diferenças. Se dá liberdade para que assaltantes matem pais de famílias, se permite que jovens se envolvam com drogas, se deixa que catástrofes naturais aconteçam e dilacerem milhares de corações, como poderia ser injusto ao ponto de limitar nosso prazer, a libido que nasce com a gente e se desenvolve livre, se assim nós permitimos? Como poderia ser cruel ao ponto de proibir que gozemos de prazeres saudáveis da vida, como uma festa, um cinema, um filme? O amor do deus que vive comigo ainda não foi subestimado.

Aliás, o deus da minha vida também é onipresente: está em todos lugares, até onde pode parecer que não o levo. Está comigo quando viajo, vai por dentro quando vou pra balada, no olhar quando estou com amigos, está até no gingado da minha dança. É tão onipresente que não tem limites: está nas festas tanto quanto nas igrejas, nas prisões tanto quanto nos cultos, nas praças tanto quanto nas missas. O deus que está presente aqui ainda não foi cercado.

Enfim, o deus que eu amo e que me ama também, do jeito que sou, sem quantificar nem racionalizar nada, é, acima de tudo e sobretudo, o deus das coisas mais possíveis: um cheiro imortal, um instante que permanece alheio ao tempo, uma palavra inesquecível que permanece intocável, a conversa antiga que permanece eterna. Só consigo imaginar e amar um deus assim: possível de existir dentro de mim.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Aniversário da sua ausência

É engraçado como a vida, às vezes, é irônica: nós não chegamos a completar um ano de namoro, mas essa semana fez um ano que terminamos. Quando utilizo o verbo “terminar” para caracterizar o desfecho de nosso relacionamento, estou sendo coerente, afinal de contas, depois disso eu também terminei um pouco comigo mesmo. Algo dentro de mim ficou sem contorno desde aquela noite em que você me disse “adeus”.

Você se foi sem deixar pegadas que me permitissem encontrá-lo, se despediu sem nem ao menos olhar pra trás e ver o que deixava – que me deixava. Você partiu e fui obrigado a retirar minhas mãos do seu rosto, quando, na verdade, elas desejavam permanecer ali. Você soltou da minha mão, no entanto, se esqueceu de largar também o meu coração, que acabou indo dentro da sua mochila.

Esta é a primeira vez que falo de você assim, abertamente, sem inventar um personagem para dar voz aos meus sentimentos, sem me refugiar na ficção para que a realidade não pareça assim, tão sem graça, tão sem abraços, tão irrisória. Tão sem você.

Há um descompasso em meus passos, um passado que se faz constantemente presente em minha vida. Às vezes, me perco tentando decifrar de que tanto você corria e se aproximava, de que tanto você sonhava e colocava os pés no chão, de que tanto você se escondia e se mostrava. Tais segredos eram o mistério sublime que existia entre nós e me lembravam a vida. “A gente foi feliz”, “a gente era um casal”, “a gente se amava”, “a gente se divertia juntos”. Não foi fácil aprender a conjugar “você” no passado.

Sei que você prefere não me encontrar, mas eu encontro você em tantos lugares! É você quem me dá a mão quando estou com vontade de chorar, é da sua mania de ajeitar a franja do cabelo que ainda acho graça, é com você que caminho na praia nas tardes de verão. É ao seu lado que vou às compras, é o seu olhar que me reprova quando deixo de acreditar em mim mesmo, é a sua mão que seguro para atravessar a rua, é ao seu lado que gosto de observar as coisas mais sublimes da vida. Você insiste em não me ver, mas eu vejo você o tempo todo.

Portanto, neste um ano de ausência, você é presença. Lamentavelmente, foi preciso te perder pra que eu pudesse me encontrar, foi preciso que eu me desviasse do seu olhar pra conseguir encarar o meu. Te amo sim, talvez pra sempre, mas já compreendi que o que não foi não tem o direito de impedir o que ainda pode ser. Meu amor por você é tão cheio que de vez em quando se esvazia, só para caber sempre aqui dentro.

Mesmo sentindo tudo isso, estou me libertando daquela vontade louca de ouvir sua voz, daquele desespero de que seja você quando o telefone toca. Já desisti de esperar por uma pessoa cuja ausência me faz companhia.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ou vai, ou racha

Fala, amiga! Este e-mail, provavelmente, vai pegá-la de surpresa, mas, isso é o de “menos”. O de “mais” é que, desde que fiquei sabendo que você e o Guto tinham conversado, eu também fui pega desprevenida pela urgência em te dizer algumas estas coisas. Portanto, senta que lá vem bomba. Já explodiu aqui dentro faz tempo, no entanto, só agora me dei conta de que estava incendiando.
Você ainda se lembra daquela noite em que te apresentei o Guto? Tá lembrada da metralhadora de elogios sobre ele que disparei em sua direção, da força que minhas palavras tinham? Naquela noite, dentro daquela boate, eu te entreguei de bandeja o meu sonho ideal, a imagem do homem perfeito que minha imaginação se encarregou de construir, o rosto que minha saudade tinha desde a infância. Eu te dei o sorriso que eu queria pra mim.

Pelo amor de Deus, não pense que estou te condenando por ter ficado com ele, gostado, namorado, terminado e, agora, estar querendo recomeçar. Quanto a isso, fique tranquila. Diante desta afirmação, você deve estar se perguntando: “então, o que deu nesta louca?”. Eu respondo: me deu vontade de me dar pra alguém que só quer receber você como presente.

Somos amigas o suficiente para que a verdade não fique esmagada entre as entrelinhas de nossa amizade. Estou te confessando isso apenas para que você tenha noção de que nem sempre as pessoas serão transparentes ao revelar seus verdadeiros sentimentos, para que você compreenda que prestar atenção nos sinais da estrada pode evitar colisões que culminam em morte – na nossa morte.

Isso eu digo por experiência própria. Ando tão cansada destas baladas que a gente anda indo, onde todo mundo é de todo mundo e ninguém é de si mesmo – nem eu. Ando tão cansada de outras coisas também, como, por exemplo, desta minha mania de dizer a verdade quando deveria mentir e de fingir que estou à vontade, quando, na verdade, machuca. Meu amor próprio é quem tomou vida própria e pulou o muro.

Toda esta minha dedicação exagerada aos outros é uma forma de compensar a atenção que não consigo dar a mim mesma. Sou uma estrela cadente a espera de alguém que me veja passar em seu céu e deseje fazer apenas um pedido: ficar comigo.

Mas, voltando ao assunto, quero que saiba que, do fundo do coração, torço para que vocês sejam felizes. Desta vez será diferente se vocês não forem os mesmos. A vida é assim mesmo: ou vai, ou racha. Você foi, o que significa que me sobrou rachar. Rachar o bico de tanto chorar, rachar o CD na parede, rachar minha cisma em querer sonhar com quem ainda tem tanto a sonhar por aí.
No mais, saiba que não ligo mais de perder para você. Estou cansada é de perder para mim mesma.