terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Minha herança: uma flor

Maninho,

Quando você apareceu no meu jardim, minha folhagem não andava bem cuidada. Havia muitos galhos necessitando de poda, muitas flores precisando de água, muitos pássaros precisando de alimentação. Tudo isso acontecia dentro de mim, mas você nem percebeu, ao passo que seu silêncio também não me permitia perceber sequer que nossos olhos falavam. A ausência de vozes entre nós abafava nossa própria existência. Acho que era outono.

O tempo passou, o frio aumentou e baniu para longe da gente qualquer temperatura acima de 0º. Estávamos gelados. Lembro-me que, nessa época, nossa amizade ainda não era capaz de servir como um agasalho para as noites badaladas de sábado à noite, onde todo mundo é de todo mundo e ninguém é de si mesmo. Creio que, no fundo, eu só queria ser seu. Seu encontro, seu auxílio, seu tormento, seu remédio, seu amigo. Acho que era inverno.

De repente, da mesma forma como acontecem os grandes mistérios da vida, assim mesmo, sem explicação, nossas pétalas começaram a cair juntas e a, deste modo, se renovar simultaneamente. Nesse tempo, fomos grandes jardineiros um do outro. Nossa comunicação passou a ser inexplicável: era muda, mas falava; era pelo olhar, mas tinha voz; era silenciosa, mas gritava; era sincera, mas escondida; era carinho, mas logo virou amor. Aprendemos que é preciso se deixar cortar para renascer inteiro – e que só se é inteiro quando se deixa completar. Acho que era primavera.

E agora, o sol brilha como nunca para nós. Quando abro a janela ao seu lado e me deparo com a beleza do que vejo, sinto que valeu a pena. Toda saudade virou presença. Todo espaço ficou pequeno. Toda distância nos une. Toda dor nos cura. Toda lágrima nos lava. Toda noite é dia. Todo amor é pouco. Acho que é verão.

De tudo isto que passamos – e pela força sublime do que tenho certeza que virá pela frente –, minha herança pra você é uma flor, plantada diretamente no solo do meu coração. Minha herança são as gargalhadas que escapuliram nos locais mais inadequados, são as danças esquisitas onde o pranto imperava, é o riso contido em meio choro, é a lágrima que escorre por dentro, é ombro amigo que está presente mesmo no passado. A minha herança pra você é o amor. Acho que é pra sempre.

Através desta carta, receba-me e me abrace. Seja feliz, é o que te peço. Não seja refém de si mesmo, não se deixe usar para que seu coração não acostume a ser um objeto. Seja feliz do teu modo, mas construa-o com a consciência de que os fins só são alcançados pelos meios. Acho que é assim.

2 comentários:

  1. Lindo como sempre..
    meu Amor, meu amigo meu mestre
    me ensina a viver tão bem, com sua palvras
    te amo e sucesso

    sua papaula

    ResponderExcluir
  2. Felipe me deparei sem querer quando procurava a imagem de uma flor. Fiquei encantada por encontrar um texto tão lindo quando mais precisava.
    Quero parabeniz´a-lo pela inteligencia, pelo sentimento profundo e por expressar-se tão bem como tua alma grita.
    Adoro escrever, mas jamais faria um texto lindo desse.
    Obrigada, nunca mais quero te perder de vista... ficou cravado no meu coração feito semente e já viraste flor.



    ResponderExcluir