quinta-feira, 28 de abril de 2011

Daqui pra frente

Daqui pra frente, não volto mais atrás. Chega dessa mania de rasurar minha palavra para que alguém possa subscrevê-la, desse velho hábito de deixar que os outros atropelem a minha felicidade e a deixem estirada no chão. Nada de lamentar o passado, pois ele não pode ser mudado. O que dá pra fazer é reescrever no presente as correções para as falhas cometidas, na tentativa de construir um futuro mais amplo e arejado. No calendário da minha vida, o hoje passará a ser o dia mais importante, porque ele é a melhor ponte para um amanhã melhor.

Daqui pra frente, vou abrir as janelas de mim. Quero sentir-me fresco, deixar o vento correr solto em meus cômodos, ver folhas bagunçadas se espalhando pela sala. Meu desejo é o de cuidar das flores que ponho em minhas janelas: elas é que definem que passarinhos virão me visitar e quantos deles vão sentir-se à vontade para morar comigo. Quero acordar mais cedo e, ao invés de ser recebido pelo sol, eu mesmo irei recepcioná-lo, só para garantir que meu sorriso não perca o brilho nem deixe de transmitir raios ultravioletas. Tenho a missão de não deixar que os invernos me endureçam, mas também de me conscientizar que, se for necessário, terei que encará-los de frente. Para isso, precisarei de agasalhos, de pessoas e livros que me aqueçam até que o verão chegue novamente.

Daqui pra frente, aprenderei a pintar. Mesmo que eu não use pincéis nem tinta óleo, vou jogar cores na vida daqueles que amo e, principalmente, no mundo desbotado dos seres em preto e branco que encontro pelo caminho. Numa vida qualquer, quero desenhar um sol amarelo e, com cinco ou seis retas, aproveitar e transforma-lo em um castelo. Serei um aprendiz na arte de rabiscar aquarelas, ainda que ninguém as veja e eu corra o risco de ser borrocado. Minhas paisagens serão retocadas com gestos e esperanças, e não com lápis de cor. Quero aprender a gravar sonhos na parede do coração das pessoas.

Daqui pra frente, serei como uma caixinha de música para quem resolver me abrir. Vou dançar e cantar, suavemente. Com tranquilidade e segurança, vou ficar girando, sem ir pra lugar nenhum, apenas para emprestar um pouco de ritmo aos olhos estáticos que estiverem me observando. Quero me tornar um espetáculo ou, ainda mais humildemente, ser um porta jóias, onde as pessoas sintam-se à vontade para guardar parte de suas riquezas, para depositar o que lhes restar de confiança. A gente de bijuteria vai adquirir a sabedoria e o amor necessários para ser de ouro, e eu quero estar cantando e dançando para poder acompanhar isso.

Daqui pra frente, vou escutar mais, falar somente o necessário, me alimentar mais do silêncio, descortinar minha alma, polir meu bom humor, deixar as lágrimas correrem soltas pela face, mesmo correndo o risco de ser piegas, mesmo parecendo que estou mexicanizando a cena.

Se conseguirei cumprir minhas metas, não sei... O que garanto é que, daqui pra frente, vou pelo menos tentar.

terça-feira, 19 de abril de 2011

A paixão de todos nós

Contrição, agonia, dor, redenção. Palavras que evocam uma sensação de silêncio são sempre mais utilizadas para definir os traços de expressão dos dias da Semana Santa. Na tradição católica, a época marca os últimos momentos da vida de Jesus, os instantes finais de seu caminho rumo à cruz. Do encontro com Maria à instituição da Eucaristia, Cristo vai passando pelos últimos minutos de sua vida, que já eram, em si, a antecipação do próprio calvário.

Nós também, dia a dia, vamos vivendo pequenas e grandes paixões, sofrimentos que duram muito mais que três dias, espinhos que nos fazem chorar lágrimas de sangue. Há aqueles que são feridos pela crucificação de seus sonhos. Sobem as ladeiras da vida com suas cruzes pesadas sobre os ombros, sem saber em que monte serão, finalmente, pendurados ou em que lugar algum bom Cirineu os ajudará na escalada. Esses, sofrem com o deboche dos que pensam ter conseguido a glória, mas que, no fundo, não passam apedrejadores de si mesmos.

Há aqueles que carregam coroas de espinhos por dentro, chagas que não são visíveis a olho nu. As palavras deles são amargas como vinagre e suas desilusões transformam-se em lanças, que são mais perigosas do que qualquer arma de fogo. Eles têm a verdade da mentira estampada no rosto e, com um beijo na face, são capazes de trair quem mais os ama na vida.

Há aqueles que trazem, pregadas no coração, esperanças. Querem se transformar em alguém que possa enxugar o suor do rosto cansado dos caminhantes, mas para isso precisam da promessa do paraíso, do perdão no momento em que só a morte era aguardada. Esses, erraram muito, mataram muitos sorrisos e sepultaram asas, no entanto, desejam tornar a sujeira de suas águas no vinho da salvação. Derramaram sangue e viram inocentes pagarem por crimes que não cometeram, e, hoje, têm a intenção de não lavar as mãos nos momentos em que, para fazer o que é certo, for essencial sujá-las.

Há aqueles que, sem escolha, se lançaram, por conta própria, às mãos de quem irá negá-los antes mesmo que o galo cante três vezes. Há os que se doam aos pés de nossas cruzes. A esses, a gratidão eterna está garantida.

Paixões essas, umas pequenas, outras gigantes, todas eternas. Sepulcros escuros, para onde somos lançados antes da hora, cheios de medo, inseguros, muitas vezes sem motivo. O que nos resta é o esforço e a prece para que, num terceiro dia qualquer, também nós possamos ressuscitar.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

De repente, crianças

Fiquei em estado de choque quando recebi a notícia de que a mãe de uma colega minha – a quem chamarei de Helena – havia morrido. Tratava-se de uma jovem senhora, não mais de 50 anos, que passou 67 dias em coma, após duas cirurgias de alto risco, e, num chiste, os aparelhos apontaram que a vida dela havia, enfim, se desligado. Como assim? Ei, ei... Por acaso, a senhora se esqueceu que ainda não aprendeu a bordar como queria, que a receita daquele bolo ainda não foi treinada, que ainda não terminamos a reforma da casa, que ainda preciso do seu beijo para dormir? Basta um segundo e, de repente, nos vemos crianças novamente.

O aperto que sinto no peito me fez lembrar uma passagem do livro “Divã”, escrito por Martha Medeiros, em que a protagonista Mercedes narra um caso a respeito deste sentimento. “Uma vez, uma amiga minha, mulher feita já, com mais de 30 anos, tinha ido com a irmã visitar um tio ao hospital e ele, repentinamente, faleceu na presença das duas. Elas ficaram sem ação. Viraram-se uma para a outra e a minha amiga disse: precisamos chamar um adulto. Quando ela me contou, nos fartamos de rir, mesmo entendendo essa sensação de orfandade. Na verdade, não importa que idade tenhamos, há sempre um momento em que é preciso chamar um adulto”. Helena deve estar precisando muito de um adulto neste momento.

A grande verdade é que, diante da morte, todos nos tornamos imponentes, frágeis, pequenos. Toda auto-suficiência que acreditamos ter vai pras cucuia e, aí, nos escondemos atrás da porta, choramos agarrados a um ursinho de pelúcia, ficamos com medo de ir à rua sozinhos. A mãe de Helena se foi e, em questão de segundos, ela voltou a experimentar a infância, a brigar para não sair do banho, a se agarrar a fotos, a querer ficar bem dentro. Dentro de si mesma.

Mãe, onde está o meu secador de cabelo? E aquela minha roupa de ir pra faculdade, já está passada? Eu não acredito que a senhora se esqueceu de lavar minha calça! Faz bolinhos de chuva pro café de amanhã? Nunca mais quero ver a cara dele, mãe, nunca mais... A partir de agora, quem ouvirá os desabafos de Helena? Quem a amará acima do bem e do mal? Minha colega deve estar precisando de um ombro amigo, de companhia, mas não a minha, e, sim, a da mãe dela. Chamar um adulto? A dor é tão grande que, por instantes, nos esquecemos de que não temos mais idade pra isso.

Um medo, uma desilusão, um momento de fraqueza, a morte e, de repente, crianças. Escondidas embaixo da cama, mexendo nas coisas dela, chorando copiosamente, fazendo pirraça com a vida, tendo pavor de ficar sozinhas em casa, sentindo medo do escuro. Se acalme, Helena, tente ficar tranquila. Logo, logo, alguém virá acender a luz.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Sobre promiscuidade

Nos últimos dias, o nome do deputado federal, Jair Bolsonaro, tem estado – merecidamente, diga-se de passagem – na boca do sapo. O motivo de tanto estardalhaço são as declarações com alto teor de racismo e homofobia que ele vem disparando. O político ofendeu a cantora Preta Gil em plena rede nacional e, como se não bastasse, feito criança pirracenta, bateu pé, insistindo que sua posição está correta. Bolsonaro perguntou à Preta quem ela era pra falar sobre promiscuidade... Agora, deputado, sou eu quem o questiono: quem o senhor é pra falar de promiscuidade?

Promiscuidade é o que muitos seres da sua laia fazem com o poder que tem em mãos, transformando um bem de todos num privilégio para poucos. Chamo de promiscuidade a venda da moral e da verdade, comércio que acontece, livremente, nos bastidores do congresso que o senhor Bolsonaro costuma freqüentar. Qualquer tostão paga o silêncio, qualquer centavo passa a conta pro povo pagar – e caro! – por tanta safadeza, vivendo sem dignidade nem condições básicas de Saúde, Educação e Desenvolvimento. O preço do desvio de verbas e dos cargos fantasmas dói no bolso de quem não tem nada a ver com essa sujeirada toda. Isso, sim, é promiscuidade.

Os políticos brasileiros estão longe de ser exemplo, pois boa parte deles não hesita em corromper a democracia do país, manchando com vermelho-sangue o verde que devia ser de esperança. A imensidão do azul-anil é assassinada pelo preto-luto, escuro que cobre toda extensão da bandeira nacional quando escândalos e quantias armazenadas em cuecas matam os sonhos da nação, sonhos esses simples, sem grandes pretensões: apenas os de ver um Brasil sem a face deformada, um país sem grades nas leis, um Brasil que não nos assuste quando mostrar sua verdadeira cara.

Ó, deputado Bolsonaro, que grande piada o senhor contou! Enquanto vossa excelência se preocupa em exterminar a moral de negros e homossexuais, seus colegas de bancada fazem a festa, os bandidos assopram vidas nos morros, no exato momento em que a podridão do sistema produz, em série, novos indivíduos que nem chegarão a se tornar seres humanos. Não se preocupe tanto com os afros-descendentes e com os gays, há tantos assuntos mais relevantes esperando pela sua atenção, como, por exemplo, a implementação da Comissão da Verdade, que terá como objetivo esclarecer casos de violação de direitos humanos (entre eles, torturas, mortes, desaparecimentos e ocultação de cadáveres), ocorridos entre 1946 e 1988. Ah, não, me esqueci que o senhor apóia e faz apologia à Ditadura Militar.

Apoiar a morte de inocentes, fomentar a agressão de filhos “meio gays”, se pronunciar a favor do assassinato de mais presos no extinto Carandiru, defender a pena de morte, adotar métodos de tortura para corrigir indivíduos que o senhor, com sua omissão, ajuda a colocar no tráfico de drogas, enfim, todas essas posturas adotadas, por vossa excelência, é que são sinais de promiscuidade.