domingo, 1 de agosto de 2010

Inútil

Embora não se ouça falar muito dela atualmente, Lygia Fagundes Telles é uma das mais renomadas escritoras da Língua Portuguesa, tendo, inclusive, publicado inúmeros de seus escritos em outros idiomas. Embora o pretenda fazer em breve, ainda não li inteiramente uma obra de sua autoria. Mas, enquanto isso não acontece, vou me deliciando com os fragmentos da poesia de Lygia que encontro, sem dificuldades, na Internet.

Em um fórum virtual, movimentado por milhares de fãs da escritora, encontrei o trecho a seguir, extraído do livro “Ciranda de Pedra”: “É preciso amar o inútil. Criar pombos sem pensar em comê-los, plantar roseiras sem pensar em colher rosas, escrever sem pensar em publicar, fazer coisas assim, sem esperar nada em troca. A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas da vida. A música. Este céu que nem promete chuva. Aquela estrelinha nascendo ali... está vendo aquela estrelinha? Há milênios não tem feito nada, não guiou os reis magos, nem os pastores, nem os marinheiros perdidos... apenas brilha. Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil. Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a beleza. No inútil também está Deus”.

Imediatamente após ler essas palavras, meus olhos se viram frente a uma janela, de onde pude avistar a beleza daquilo que, secretamente, Lygia chamada de “inútil”, mas que, de fato, é o que dá verdadeira utilidade às nossas vidas.

É preciso aconselhar um amigo, ainda que este nunca venha a seguir as pistas que você dá, ainda que ele nunca se dê conta do quanto são importantes os caminhos que lhe são apresentados durante aquelas conversas madrugada adentro e esquecidos dia afora. É necessário amar também as palavras que são ditas sem por que, aquelas que não desejam nada além de ser ditas, apenas pelo prazer de ser verbalizadas. Uma declaração de amor feita numa manhã comum de segunda-feira, uma conversa banal entre pessoas que se gostam, uma quente discussão entre quem já se gostou um dia e não sabe mais para onde ir. Onde está a utilidade disso? Inútil é não viver nada.

Vivemos numa sociedade baseada na troca, no capitalismo que vende e compra sorrisos, no consumismo que nos transforma em produtos, expostos nas prateleiras das festas, consumidos pelas embalagens e sendo desprezados pelo verdadeiro conteúdo. Numa realidade onde só têm valor as utilidades práticas, como aproveitar o dito inútil, já que este não tem aparentes objetivos nem metas bem traçadas? Treinando o olhar.

Não me interessam apenas as utilidades científicas das flores, mas também a utilidade que eu enxergo nelas, podendo transformá-las em rima ou em verso, em tragédia ou em riso, em saudade ou em presença. Baseados somente em trocas, na utilidade daquilo que ganharemos amando e no que receberemos lá na frente se fizermos algo agora, estamos nos transformando em moedas, que só têm valor quando trocadas por outras. Nesta dança de valores, acontece o verdadeiro troca-troca: útil ficamos nós; inútil fica a vida.

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