terça-feira, 7 de setembro de 2010

Angélica

Justamente na época do ano em que se comemora o dia da Independência do Brasil, chegou às minhas mãos o filme “Zuzu Angel”, que narra a trajetória da estilista brasileira Zuleika Angel Jones. A artista foi mãe do militante político Stuart Angel Jones, morto num vôo em busca da liberdade. O filho de Zuzu – e também essa mulher – foi apenas mais um dos tantos brasileiros assassinados brutalmente pelas garras da Ditadura Militar. É da luta dessa criatura angelical em busca de justiça que se trata a obra em questão, assinada pelo cineasta Sérgio Rezende.

Na trama, a estilista é interpretada pela brilhante atriz Patrícia Pillar, que dá vida ao drama de uma mãe desesperada, em busca do paradeiro do próprio filho, que foi calado por aqueles que não suportavam ouvir a voz da dignidade e de quem ousava sonhar. São exemplos como o de Zuzu – que teve o ponto final de sua história colocado em 14 de abril de 1976 – que me fazem acreditar que a Independência do Brasil não foi conquistada em 1822. Se até bem pouco atrás temos relatos que extinguem qualquer indício de independência moral, como podemos acreditar que somos independentes há mais de dois séculos? E, hoje, será que podemos afirmar isso?

Ainda existem milhares de “Zuzus” por aí, mães assassinadas na madrugada porque decidiram lutar pra dar uma vida melhor aos pequenos, mães que vêem seus filhos serem mortos por balas perdidas, mães que não são capazes de dar a luz aos sonhos de sua própria cria, mães que morrem por dentro porque não conseguem dar vida àqueles que mais amam. Zuzu Angel buscou, até as últimas conseqüências, o direito de quem não podia mais se defender. Também não será essa a situação das milhares de mulheres que levam broa de fubá aos filhos na penitenciária em dias de visita? A diferença é que o grito daquela época era calado com violências e torturas físicas; hoje, basta a indiferença e a injustiça para atarem as mãos dos que buscam dignidade.

O descumprimento da lei é uma tortura na alma. A impunidade é um corte na língua. O despreparo da polícia é um soco no estômago. A corrupção dos advogados é um tiro no pé. O silêncio da justiça é o grito do desespero. Atualmente, a Ditadura Militar não nos violenta mais, porém, todos os dias, nossa cidadania é espancada e saqueada pelas ruas, vivendo à mercê das migalhas que os poderes jogam a nós.

O filme de Zuzu Angel termina com uma versão inédita e especial da música que Chico Buarque compôs, exclusivamente, para homenagear a artista. “Angélica” é o nome da canção. “Quem é essa mulher / Que canta como dobra um sino? / Queria cantar por meu menino / Que ele já não pode mais cantar”, dizem alguns versos da letra. Certamente, Zuzu foi um anjo que ajudou a construir um pouco da face independente desse país, que ainda tem muitos sinais de mutilação. Independência? Não. É de morte que temos vivido.

Um comentário:

  1. "O descumprimento da lei é uma tortura na alma. A impunidade é um corte na língua. O despreparo da polícia é um soco no estômago. A corrupção dos advogados é um tiro no pé. O silêncio da justiça é o grito do desespero. Atualmente, a Ditadura Militar não nos violenta mais, porém, todos os dias, nossa cidadania é espancada e saqueada pelas ruas, vivendo à mercê das migalhas que os poderes jogam a nós."

    É triste, mais é nossa realidade!
    Fiquei com vontade de veer esse filme! *-*

    Obrigado pela dica amigo!
    beijoos

    ResponderExcluir