sexta-feira, 4 de junho de 2010

Saudade não é doença

Já faz algum tempo que terminei de ler pela primeira vez o livro “Tudo que eu queria te dizer”, de Martha Medeiros. A obra se trata de uma compilação de cartas, autoradas por personagens fictícios, que ganham voz e vida através do talento cintilante dessa brilhante escritora.

A cada vez que releio os relatos, descubro algo que até então se mantinha oculto ao meu olhar. Numa dessas ocasiões, ao ler novamente a carta de Catarina, uma jovem que sai da cidade interiorana onde morava com os pais para tentar se tornar atriz, meu olhos arregalaram-se diante do seguinte trecho: “Pensei que eu sofreria, e descubro uma misteriosa satisfação em ser ninguém – o que não impede a saudade, mas saudade não é doença”.

É, acho que Martha tem razão. Saudade não é doença, mas causa náuseas, enjôo. A viúva sente saudade do carinho que seu marido costumava lhe fazer todas as manhãs, até o dia em que ele se foi para sempre e seu dia nunca mais amanheceu como antes. Saudade não é caso de cardiologista, mas dispara o coração, provoca taquicardia. Saudade de alguém que ainda está perto, entretanto, não te ama como antes; o sentimento é quem se foi para longe. Saudade não passa com gelol, mas incomoda feito dores musculares, nos quebra as pernas como uma lesão na alma.

O garoto sente saudade da mãe, que foi tentar a vida em uma cidade distante. A coberta cai de seu corpo de madrugada e não há mais quem esteja por perto para mantê-lo aquecido. Saudade não é doença, mas dá febre, aumenta a temperatura do coração, só pode ser medida se colocarmos um termômetro por dentro. Saudade das mensagens que ele costumava te mandar, do sorriso que apenas ela tinha, daquela pessoa que tinha interesse real por sua vida. Saudade não é doença, pois não passa com aspirina, não para de gritar no ouvido.

Saudade não é dor física, mas lateja no osso. Saudade é a presença da ausência que não sabemos vivenciar, são músicas que tocam na nossa memória, mas que, misteriosamente, não alcançamos mais como fazê-las tocar no presente. Saudade eu tenho de tudo que ficou no ontem porque não existiram estradas para chegar ao hoje.

Sim, sim. Martha está certíssima. Saudade não pode ser doença: se não há médico que possa curá-la, como poderia se tratar de uma patologia? Saudade é urgente, é caso de emergência, mas só passa quando morre. Saudade não é doença. É tempo chuvoso, gaveta vazia, fotos guardadas. Não, não: não é doença. São cortinas fechadas, livros sobre a cama, lágrimas pela face. Saudade não é doença. É pior.

Um comentário:

  1. saudade não é doença, é pior!
    concordo plenamente, e de novo eu chorei HAUHUHA acho que eu to meio emotiva ultimamente, adorei a crônica!
    beijosmil ;*

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