sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Carta de uma esperança

Mãe,

Pintou dezembro, o Natal está chegando e o ano novo se aproxima. O que isto signfica? Que chegou a hora de você ser vítima de mais uma de minhas cartas. Já que o fim do ano é a época mais propícia para as pessoas vomitarem umas sobre as outras aquele caminhão de promessas sentimentalóides – que serão esquecidas logo em seguida –, vou na contramão dessas bobeiras e lhe escrevo esta carta, recheada de verdades. Espero que você delicie-se.

A carta que segue está banhada. Nem pense que é ouro. Isso seria impossível, uma vez que nossa relação nunca foi tão valiosa ou reluzente quanto este metal. Nós duas estamos mais para prata, bronze. Peças sem graça, que sujam à toa. Nosso amor está mais para bijuterias baratas. Então, como eu ia dizendo, a carta que segue está banhada de mim mesma, encharcada por todos os meus medos. Mãe é pra isso, não é? Quem pariu a bomba que se exploda com ela.

Cheguei da faculdade ontem e o pai daquele nerd idiota estava lá o esperando. Quando vejo a cena de um baita marmanjo sendo buscado pelo papaizinho apenas para não ir de madrugada pra casa, sinto nojo. Prefiro banalizar aquela cena porque sei que ela jamais passará na minha televisão. Prefiro achar aquilo ridículo e tentar me convencer disso do que me achar ridícula porque ninguém está me esperando. É bem melhor assim. Eu banalizo o amor para que a falta dele não me doa ainda mais; eu escrotizo a mim mesma para não me enxergar.

Ah, mãe, você não tem noção do quanto é doloroso para mim chegar em casa, lá pelas tantas da madrugada, e perceber que o lençol da cama está do jeitinho que deixei. Ninguém me esperando, nenhuma panela exalando o cheiro de comida quentinha, nenhum sinal de alguém que vire para mim e diga: “Não consegui dormir. Estava preocupado com você”. Minha solidão é tão cheia que me deixa vazia. Tudo em ordem, nada fora do lugar. Nem em mim as pessoas mexem, pois têm medo de que eu possa mexer com elas. O marasmo desta vida está me tornando tão banal quanto ela.

Quando vim embora, deixei aí inúmeros amigos de fé, irmãos camarada. Infelizmente, eles não aprenderam a nadar contra uma forte correnteza chamada distância. Eu até sei, mas quando chego ao outro lado da margem, já fui afogada pela ausência deles. Não ter quem nos espere parece que faz com que a gente não espere nada de si próprio.

É isso, mãe. A solidão de existir apenas para si mesmos nos torna estrangeiros para o mundo.

Feliz Natal,
Sua filha

3 comentários:

  1. "eles não aprenderam a nadar contra uma forte correnteza chamada distância. Eu até sei, mas quando chego ao outro lado da margem, já fui afogado pela ausência deles."
    parte que eu mais gostei.

    com o quarto paragrafo me deu medo de sair de casa, pensar que não vou ter ninguém me esperando, ninguém se preocupando ;~

    adorei (L)

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  2. "Eu banalizo o amor para que a falta dele não me doa ainda mais; eu escrotizo a mim mesma para não me enxergar."

    PERFEITO! Como tudo que você escreve, amor! Nem preciso dizer que me identifiquei, você já sabe.
    te amoooooo

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  3. ''É isso, mãe. A solidão de existir apenas para si mesmo nos torna estrangeiros para o mundo.''

    Ah solidão como eu tenho medo dela, com certeza um dos meus maiores medos é de ficar sozinha, de me sentir sozinha, muiiiito bom o texto, muito profundo adorei, adoro vc cunhado muiiiito *-*

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