sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Meu querido, meu velho

“Esses seus cabelos brancos, bonitos. Esse olhar cansado, profundo, me dizendo coisas, num grito, me ensinando tanto do mundo. E esses passos lentos, de agora, caminhando sempre comigo, já correram tanto na vida, meu querido, meu velho, meu amigo”. Era domingo de dia dos pais e sempre tocava essa música nas celebrações da igreja. De cima do altar, eu o espiava, sentadinho no último banco da fileira, singelo e sereno, numa presença silenciosa como a oração que entoávamos a Deus. 

Quieto, meu avô apenas assistia às missas, participando com seu jeito discreto de estar lá. E foi assim, discretamente, que ele se retirou. Agora, olhei para o fundo da igreja e ele não estava mais lá, então, corri para a garagem, mas, também não o vi. O fusca amarelado, no qual tantas vezes viajamos, parecia triste... Quase perguntei: “Ei, Seu Fusquinha, para onde foi meu avô?”. De faróis apagados, como se chorasse, o carro somente me respondeu, com o silêncio, que seu proprietário tinha colocado o pé na estrada.

Entrei na casa dele e senti que seus passarinhos estavam mudos. “Cantar pra que?”, provavelmente eles se perguntavam. Insisti em fitar as aves, no entanto, um pouso sorrateiro indicava que elas também não sabiam onde vovô estava, nem para onde foi. Se ele não foi de carro e sua bicicleta está guardada na garagem, como Seu Zé partiu? Colocou as memórias na mala e simplesmente voou? Não consigo acreditar que ficamos aqui, eu, pássaros e fusca, todos esperando que ele volte, enquanto Seu Zé precisou viajar – só que para sempre.

Então, eu ficarei eternamente sentado no banco de pedra onde tantas noites vovô brincou de pegar piolho na minha cabeça. Estarei lá, sentado em frente ao seu portão, para não correr o risco de deixá-lo irritado quando retornar, pois ele detesta ter que buzinar muitas vezes para eu abrir o portão. Por enquanto, vou ligar a TV e colocar um filme de faroeste, para que eu e minha saudade, e minha dor, e minhas lágrimas, e a ausência dele, possamos assistir enquanto Seu Zé não volta. Pedirei à vovó que deixe o café quente preparado, pois ele vai querer uma xícara quando chegar.

O fusca, as memórias, eu, os passarinhos, a bicicleta, nós. Estaremos todos preparados para quando a lembrança do meu avô bater na porta, para quando uma lágrima escorrer e insistir em trazê-lo de novo, como se a qualquer momento ele fosse subir para arrumar a descarga do meu banheiro. Sabemos, Seu Zé, que o senhor não volta tão cedo, que o fusquinha ficará desligado por anos a fio, mas, prometo: estaremos impecáveis e sorridentes quando, um dia, o senhor gritar pedindo uma colher de leite em pó. Garanto que isso não faltará, assim como a saudade e o café quente, que insistirão em queimar, para sempre, o nosso peito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário