sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Onde estão Amarildos?

Depois do grito nas ruas pela qualidade do transporte público, o Rio de Janeiro se enche de um novo clamor: saber onde está Amarildo. O pedreiro sumiu, simplesmente escafedeu-se, depois de policiais da UPP da Rocinha terem confundido o pai de família com um dos chefes do tráfico na comunidade. O homem foi levado já faz 20 dias e, até agora, nada. As câmeras da unidade onde ele deu entrada estavam desligadas, segundo o governo, e nem o GPS das viaturas funcionava. Hein? Como assim? Pode isso, produção?

O desaparecimento sorrateiro de Amarildo lembra os misteriosos sumiços ocorridos durante a ditadura militar. Pessoas que ousavam contrariar o regime dos coronéis eram cruelmente mortas e, depois, dadas como desaparecidas. Agora, ao que parece, um novo regime se impõe, a pergunta se estende. Assim, a figura do pedreiro alcança um status de quase mártir, representando todos aqueles que desaparecem em meio à fumaça das bombas de gás que o Estado lança constantemente sobre os menos favorecidos. Me pergunto, então: onde estão os Amarildos?

Onde está Dona Luíza, que morreu esperando por atendimento na fila do hospital, precisava de uma cirurgia e não teve, perdeu a vida pedindo clemência? Onde está Seu Agenor, morador de rua que é agredido pelos playboys de bolso cheio, andarilho de barriga vazia e rosto repleto de sofrimento? E o Luís, que morava na esquina, mas foi vítima de uma bala perdida? E a Dona Maria, que desapareceu quando foi mandada para um asilo, nunca mais se ouviu falar dela, estará viva ou as rugas de dentro já a terão sufocado? Onde está...? É a pergunta que não quer calar.

Sumiços muitos, desaparecimentos que nem sempre são físicos, mas, morais e subjetivos. Afinal, quem de nós não desapareceu um pouco quando vê os casos de corrupção estourando por aí, quando é atacado pelo caos no transporte público, quando percebe que o salário mínimo é “n” vezes menor que o robusto honorário dos políticos? A gente desaparece sempre que sofre, em todas as vezes que nossa dignidade é suprimida pelos desmandos dos poderosos. Pior. No instante em que nos damos conta de que toda a situação também é nossa culpa, desaparecemos ainda mais.

Enquanto isso, continuamos nos perguntando “onde está Amarildo?”, “onde está Dona Luíza?”, “onde está Seu Agenor?”. Ao mesmo passo, os ecos das respostas vazias nos devolvem outras indagações. Onde estamos eu e você, onde estamos todos, onde estava cada um de nós que não viu esse tanto de gente – e de vidas – desaparecer.

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