terça-feira, 27 de setembro de 2011

O dia em que virei metáforas

 Até aquela fatídica terça-feira, eu era a partida de futebol mais esperada pela sua torcida, um estádio lotado de rubro-negros. Era a final da Copa do Mundo, um jogaço de Brasil versus Argentina. De repente, um chute errado e a bola – eu – foi chutada para escanteio. O juiz – você – me aplicou o cartão vermelho e me transformou numa pelada de cinquentões, numa disputa de meia tigela, que não lota seu estádio nem leva sua galera ao delírio. Passei de gol de placa a pênalti perdido. Você ficou em silêncio, seu olhar não apita mais as vuvuzelas quando encontra o meu. Perdi o jogo, tomei uma goleada e, agora, deixo o campo, saudoso dos aplausos da sua plateia.

    Horas antes de você me jogar fora, eu era o seu bilhete premiado da Mega Sena, o seu passaporte oficial para a riqueza de dentro. Não sei por que, mas, num chiste, você cismou com a ideia de que sou azarado. Então, deixei de ser sinal de sorte em sua vida e fui transformado numa sexta-feira 13. Não sou mais bilhete nenhum, muito mal sou uma Tele Sena que, mesmo premiada, você insiste em largar na gaveta. Se você continuasse raspando, veria que posso revelar brindes capazes de te fazer um sortudo novamente. No entanto, você nem sequer confere os resultados, para perceber que, me tendo como sua bolada de ouro, poderia marcar muito mais pontos.

    Você desligou a TV em que me assistia, minutos depois de ter me dito que eu era o seu programa favorito, a novela das oito do seu canal. Sem mais nem menos, fui rebaixado à posição de sessão da tarde, transformado numa chata reprise que você parece já estar cansado de assistir. Eu era o Silvio Santos do seu domingo e, de uma hora para outra, virei a vinheta do Fantástico, o som aterrorizador que te lembra que o descanso está chegando ao fim. Você parecia se divertir comigo sendo seu final de semana até que, de repente, passou a me encarar como insuportáveis horas extras de expediente, como uma praia em pleno dia de chuva. Gradativamente, sua antena está perdendo o meu sinal e eu estou saindo do ar em seus pensamentos.

    Nos vendo juntos, qualquer um juraria que eu era o seu parque de diversões, uma montanha russa na qual você adorava dar piruetas. Acho que meu sistema deu pane, algo em mim deve ter escangalhado, porque, da noite para o dia, você enjoou de brincar comigo. Virei um carrossel sem graça, um trem fantasma que não assusta ninguém, uma atração infantil e boba. Eu era a sua principal fonte de entretenimento, entretanto, hoje não passo de uma companhia dispensável, do beijo que você evita, de alguém que você ignora como seu acompanhante para ir a um casamento, simplesmente porque não precisa. Eu era o seu traje de gala e, agora, sou nada mais que um pijama encardido, que você não veste nem para dormir.

    Se a cada segundo não estivesse sendo picotado por você, eu daria tudo para reconquistar o primeiro lugar da tabela, para voltar a ser o líder, porque só Deus sabe o quanto dói amargar a lanterninha de uma vida que sempre quis ver campeã. Só Deus sabe o quanto me falta o ar nos momentos em que seu silêncio agarra forte o meu pescoço e me estrangula, o quanto sinto falta do chão que sua amargura está destruindo, sem dó nem piedade. Só Deus sabe o quanto me apago quando me lembro que eu era o seu radio de sol e, hoje, fui reduzido à luz de cabeceira, a um abajur que não ilumina nem o seu coração.

  Mas, no meio do caminhão de dor que carrego nas costas, encontro a certeza de que, um dia, você se arrependerá de ter me tirado de cartaz, de ter cortado meu personagem do seu script, de me atingir o coração com tiros disparados pela sua indiferença. Neste dia, no exato momento em que você chorar e não encontrar meu ombro para repousar, em que a sua lágrima cair e minhas mãos não estiverem por perto para enxugá-la, em que o desespero gelar o seu edredom e você não encontrar o calor do meu abraço para te aquecer, em que a culpa assassinar a sua tão sonhada liberdade e você se deparar aprisionado pela solidão, lembre-se: você tinha tudo, mas preferiu me transformar em nada.

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