quinta-feira, 14 de abril de 2011

De repente, crianças

Fiquei em estado de choque quando recebi a notícia de que a mãe de uma colega minha – a quem chamarei de Helena – havia morrido. Tratava-se de uma jovem senhora, não mais de 50 anos, que passou 67 dias em coma, após duas cirurgias de alto risco, e, num chiste, os aparelhos apontaram que a vida dela havia, enfim, se desligado. Como assim? Ei, ei... Por acaso, a senhora se esqueceu que ainda não aprendeu a bordar como queria, que a receita daquele bolo ainda não foi treinada, que ainda não terminamos a reforma da casa, que ainda preciso do seu beijo para dormir? Basta um segundo e, de repente, nos vemos crianças novamente.

O aperto que sinto no peito me fez lembrar uma passagem do livro “Divã”, escrito por Martha Medeiros, em que a protagonista Mercedes narra um caso a respeito deste sentimento. “Uma vez, uma amiga minha, mulher feita já, com mais de 30 anos, tinha ido com a irmã visitar um tio ao hospital e ele, repentinamente, faleceu na presença das duas. Elas ficaram sem ação. Viraram-se uma para a outra e a minha amiga disse: precisamos chamar um adulto. Quando ela me contou, nos fartamos de rir, mesmo entendendo essa sensação de orfandade. Na verdade, não importa que idade tenhamos, há sempre um momento em que é preciso chamar um adulto”. Helena deve estar precisando muito de um adulto neste momento.

A grande verdade é que, diante da morte, todos nos tornamos imponentes, frágeis, pequenos. Toda auto-suficiência que acreditamos ter vai pras cucuia e, aí, nos escondemos atrás da porta, choramos agarrados a um ursinho de pelúcia, ficamos com medo de ir à rua sozinhos. A mãe de Helena se foi e, em questão de segundos, ela voltou a experimentar a infância, a brigar para não sair do banho, a se agarrar a fotos, a querer ficar bem dentro. Dentro de si mesma.

Mãe, onde está o meu secador de cabelo? E aquela minha roupa de ir pra faculdade, já está passada? Eu não acredito que a senhora se esqueceu de lavar minha calça! Faz bolinhos de chuva pro café de amanhã? Nunca mais quero ver a cara dele, mãe, nunca mais... A partir de agora, quem ouvirá os desabafos de Helena? Quem a amará acima do bem e do mal? Minha colega deve estar precisando de um ombro amigo, de companhia, mas não a minha, e, sim, a da mãe dela. Chamar um adulto? A dor é tão grande que, por instantes, nos esquecemos de que não temos mais idade pra isso.

Um medo, uma desilusão, um momento de fraqueza, a morte e, de repente, crianças. Escondidas embaixo da cama, mexendo nas coisas dela, chorando copiosamente, fazendo pirraça com a vida, tendo pavor de ficar sozinhas em casa, sentindo medo do escuro. Se acalme, Helena, tente ficar tranquila. Logo, logo, alguém virá acender a luz.

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