terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Onde está mamãe?

De repente, você resolveu ir embora. Não me lembro exatamente quando isso aconteceu, mamãe... Parece que faz séculos, foi há alguns meses. Na verdade, não me recordo se a senhora se foi de dia ou de noite, se era sábado ou domingo, se chovia ou se fazia sol. Pra ser bem sincero, acho que você já havia partido, de fato, antes mesmo de sair com mala e cuia de nossa casa. Fazia muito tempo que você não estava, realmente, aqui: seu corpo ocupava espaço no quarto, mas sua mente e seu pensamento já vagavam pela rua há muitos anos.

Mãe, seja sincera comigo: houve algum dia de felicidade em sua vida? A tristeza e amargura estampadas em seu rosto ao longo dos últimos anos revelavam uma mulher solitária e triste. Será que sua alegria se diluiu nessas paredes ou foram as pessoas que aqui viviam as responsáveis por exterminá-la? Sinto falta do seu sorriso, mas não consigo me recordar de situações em que ele tenha soado tão normal e belo quanto o sol que desponta todas as manhãs.

Mamãe, você se foi, e eu fiquei, quando gostaria tanto de ter certeza que ao menos algo de mim foi levado dentro de sua bagagem. Aliás, creio que ninguém saiba do que vou te revelar agora, no entanto, nunca mais fui inteiro desde sua partida. Algo em mim se quebrou nas manhãs seguintes, quando acordei e não a espiei dormir por entre a fresta da porta, conforme era meu ritual de todos os dias. O clarão do dia nunca mais me iluminou do mesmo jeito, portanto, sigo um pouco apagado desde quando isso aconteceu. Quanto tempo tem? Não importa, pois envelheci séculos em poucos meses.

Seja feliz, mamãe, já que por aqui esta velha senhora chamada Felicidade se recusou a visitá-la muitas vezes – ou terá sido o barulho das brigas o responsável por afungentá-la? Tomara que ela tenha encontrado o rumo do seu novo endereço. Inclusive, meus olhos também estão ansiosos por reencontrar os caminhos dos seus. Embora seu olhar carregasse, ultimamente, mais dores do que alegrias, transparecendo marcas de espadas que transpassaram seu coração, sinto saudade de poder cruzar com ele, ainda que se mantivesse calado quase sempre.

Jamais te condenarei por ter ido embora, mas também nunca esquecerei que não consegui fazer nada para ajudá-la. Queria que você tivesse me revelado mais possibilidades para te encontrar, quando, na verdade, seu silêncio era seu modo mais reservado de gritar por ajuda. Inicialmente, pensei que jamais te perdoaria por não ter me contado; depois, percebi que eu jamais me perdoaria por não ter notado.

No mais, um segredo: não há uma noite sequer em que, antes de dormir, eu não me lembre de você. Você me faz falta, e não imagina quanta! Estou gestando algumas mudanças e gostaria muito que você, mamãe, estivesse por perto para, mais uma vez, me ajudar a dar a luz a elas. Se, por um acaso, seu futuro for abortado, retorne: não tenho um útero, mas prometo aquecê-la com o meu abraço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário