quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Bolsa de grife

Comecei a cultivar mais o hábito de ouvir música e, para que isso seja possível, passei a comprar CDs dos artistas que admiro. Uma das minhas recentes aquisições foi o novo álbum da brilhante Vanessa da Mata, intitulado “Bicicletas, bolos e outras alegrias”. Entre as tantas canções que me agradaram, encontrei uma chamada “Bolsa de grife”, que narra algo que tem se tornado comum atualmente: o consumismo como uma tentativa de alcançar o bem estar.

Os versos a seguir são parte da música: “Comprei uma bolsa de grife / Mas ouçam que cara de pau / Ela disse que ia me dar amor / Acreditei, que horror / Ela disse que ia me curar a gripe / Desconfiei, mas comprei / Comprei a bolsa cara pra me curar do mal / (...) Ainda tenho a angústia e a sede / A solidão, a gripe e a dor / E a sensação de muita tolice / Nas prestações que eu pago / Pela tal bolsa de grife”. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.

A superlotação das lojas é um reflexo do esvaziamento que vem tomando conta do interior dos seres humanos. É nas prateleiras que nós pensamos estar encontrando os remédios para o abandono, para a solidão, para a tristeza, para a sensação de baixa auto estima, enfim, para todos os males que nos assolam, como se fosse possível preencher nosso vazio de vida com qualquer bem material. Queremos cuidar dos nossos espaços de dentro, mas não nos damos conta de que essas brechas só são preenchidas com as belezas que insistimos em não ver, com o sublime que não é oferecido em balcões e caixas eletrônicos.

Ele compra um carro para mostrar a todos que tem muito dinheiro, no entanto, gostaria muito era de poder exibir que é capaz de conseguir afeto de graça, sem necessitar de cifras para negociar um gesto de carinho. Ela necessita de um vestido para esquecer o passado, porém, não investe tempo para enfeitar a alma e, quem sabe, buscar a construção de um presente que viabilize a existência de um futuro menos fluído. E, assim, seguimos fingindo que nos livramos de nossos pesadelos, mas basta que nossas cabeças encostem no travesseiro para termos a plena certeza de que nossos sonhos permanecem perdidos, talvez esquecidos em alguma prateleira em que nós os pusemos e de onde, enfeitiçados por embalagens e vitrines, esquecemo-nos de retirá-los.

Temos fixação por roupas de marca e por bolsas de grife – principalmente no Natal –, mas levamos uma vida medíocre, sem raça nem pedigree, nos transformando em verdadeiros vira latas, que se alimentam dos lixos dos outros e nunca encontram morada em si próprios. Não há financiamento nem possibilidades de reavermos nossa felicidade desse jeito, passando nossos dias dentro de provadores de gente e trocando de amores como quem substitui uma camisa. Me digam em que loja ficou perdida a etiqueta de “original” que ficava em nossos corações; pago o quanto for preciso pelo resgate de nós mesmos.

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