segunda-feira, 20 de julho de 2009

Quem está dentro?

A enxurrada de acontecimentos que lota as primeiras páginas dos jornais não favorece em nada a criatividade para escrever uma crônica. Tenham certeza disso. A cada dia se torna mais difícil encontrar algum assunto relevante para abordar, uma vez que o risco de um escritor cair na “mesmice” é muito grande. Quase sempre dou sorte e, quando menos espero, sou surpreendido por uma frase ou texto que me entrega a inspiração para pensar em voz alta. Lendo uma fantástica crônica de Martha Medeiros (por sinal, mais uma brilhante), resolvi pegar carona no assunto abordado pela escritora.

Em seu texto, a excelente cronista cita uma passagem do filme “Foi apenas um sonho”, estrelado por Kate Winslet e Leonardo di Caprio. Na cena, a personagem da atriz desabafa com um vizinho a respeito do silêncio interior gritante que a assusta e ele, por sua vez, se mostra receptivo: “Eu entendo. Você queria sair dessa, não?”. Surpreendentemente, ela responde: “Eu queria entrar!”. A partir dessa declaração, fica claro o desespero da mulher por ter se deixado levar “pela vida”, por ter se juntado a multidão dos que aceitaram, resignados, que milhares de vozes abafassem o grito interior, a palavra presa na garganta.

Vivenciando a aparente alegria dos ausentes de si mesmos, a frase da personagem suscita no espectador atento o seguinte questionamento: será que você quer sair de um lugar onde nunca esteve? Será que está dentro ou ficou do lado de fora do casamento, da amizade? Afinal de contas, quem está dentro? Está dentro do jogo quem não se acomodou, quem não desistiu da dinâmica e continua enfrentando as dificuldades para reinventar-se a cada novo dia. Está dentro da própria vida quem não se ausenta por qualquer coisa. Você está dentro se não desistiu de ser você mesmo, se não silenciou a sua verdade para agradar os outros.

Por outro lado, como é ficar fora? É ver a própria vida acontecer sem a gente estar no palco, sem a nossa presença no foco de luz que ilumina os dias. Nossa maior preocupação deveria ser não a de sair de determinada situação, mas entrar. Ele não quer sair do namoro que já dura quase dois anos; quer entrar. Ficou preso do lado de fora quando se acomodou, quando sentou em uma cadeira na última fila do teatro da vida e ficou esticando o pescoço para ver o que acontecia no palco principal, ausente de sua própria presença. Ela não quer sair do casamento; quer entrar, mostrar ao amado o quanto pode ser divertida sendo ela mesma, demonstrar o verdadeiro afeto e até mesmo a indignação com o que não está legal.

Vivendo um cotidiano aparentemente perfeito, onde tudo são rosas e nada é questionado, a gente desiste de entrar e fica onde? Fora. Fora dos relacionamentos, das amizades, das conversas entre colegas de trabalho, do dia dos namorados, do bate papo com os pais em um almoço de família, dos sentimentos verdadeiros, das palavras de coração. Fora de nós mesmos. Talvez seja a hora de avaliarmos qual a posição que ocupamos dentro do nosso apartamento, dos cômodos que existem dentro de cada um de nós e que, por vezes, estão vazios. Não adianta querer sair. Antes, é preciso estar dentro.

3 comentários:

  1. sem comentarios... PERFEITA A CRONICA!!!

    não tem nada pior do que ser apenas espectador da seu próprio espetáculo... sentir falta de um personagem, descobrir depois que é o personagem principal, e pior ainda perceber que o personagem que falta na sua própria história é VOCÊ!!!

    beijos amigooo...

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  2. assim como já te falei, essa é uma das melhores do seu currículo...

    nos leva a pensar sobre a nossa própria história, se estamos sendo os protagonistas da nossa própria vida!!

    um grande abraço, de seu maior fã!!
    Bradon Palmeira

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  3. Ahh, demorei mas consegui parar pra ler! Todos os textos estão lindos, e eu amei esse particularmente, por diversos motivos... Enfim, espero ainda poder ler seus textos num livro :)
    Beijos.

    Denise.

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