terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Pontes para lugar nenhum

Você pode até não ter percebido, mas já atravessou alguma ponte hoje. Para ir de uma margem à outra de algum lugar, para atravessar rios e caminhar sobre as águas, é necessário que passemos por esses caminhos, ora estreitos, ora largos. Pontes nos levam ao outro lado, servindo de igual passagem para grandes caminhões e pequenos fusquinhas. No caso de algumas delas, não importa o tamanho do que por ali vai passar: o importante mesmo é preencher o vazio, conectar extremos que, sem estes ligamentos, jamais poderiam abraçar-se. Há milhares de pontes espalhadas pelo Brasil e pelo mundo, no entanto, seria bom que passássemos a construí-las também entre as pessoas.

Há muita gente perdida, vivendo às margens da vida porque não há travessas que as ligue ao lado de lá do dia a dia. Geralmente, quem fica sem pontes são aqueles que viram suas passarelas serem bombardeadas pelo preconceito, sendo jogados na profundidade do desconhecido no momento em que tentavam apenas atravessar. Há quem foi lançado à água simplesmente porque exige ter o direito de ir e vir.

Homossexuais, ex-presidiários, prostitutas, mendigos, travestis, excluídos socialmente... Quanta gente tem sido impedida de fazer a travessia! Convictos de que somos os seres humanos mais corretos que já pisaram na face da Terra, nos sentimos no direito de destruir as pontes que ligam esses indivíduos ao mínimo necessário para ser considerado gente. Com nossas palavras desastrosas e nossos gestos de exclusão, desligamos essas – e milhões de outras – pessoas das estradas que as levariam ao sol. Observando as travessias de quem quer chegar onde estamos, nossos olhos cruéis lançam as bombas... Boom! E a ponte vai pelos ares através de uma palavra.

A diversidade do que existe no mundo, quando bem aproveitada, pode tornar-se uma fonte natural e inesgotável de belezas e aprendizados. Assim como a água, que nasce naturalmente das pedras, nós também poderíamos aproveitar as rochas do dia a dia para aprender a tirar delas líquido necessário para matar a sede que sentimos de justiça. Desperdiçando os traços de quem vive nos terrenos do holocausto que provocamos diariamente, vemos nossa própria paisagem ser empobrecida, pois a ondulação da diferença do outro enriquece e aperfeiçoa as linhas que formam o desenho de nossas personalidades.

O isolamento está sendo provocado pela ausência de conexões entre a humanidade, que se equivocou ao perceber na diversidade um ataque à dignidade e à honra do povo. Não matam os excluídos em câmaras de gás, mas os sufocam através de outros meios e torturas. Com a ausência das pontes, perde quem fica do lado de cá, morre quem é abandonado do lado de lá.

O que temos erguido entre nós são pontes que não nos levam a lugar nenhum. Pelo contrário, são estradas esburacas e frias, becos sem saída, que somente nos privam de desbravar o que há além do horizonte das diferenças. O lado de cá da margem é apenas um pouco do muito do que ainda temos a descobrir. Se construirmos pontes que nos levem ao lado de lá, acabaremos tocando alguma coisa. Alguém.

Um comentário:

  1. Quando eu comecei na faculdade, tinha uma imagem de que seria um ambiente mais "liberal", digamos assim, falando de um ponto de vista sociológico. Mas é só uma capa. É o que os antigos diziam com a velha frase: "Debaixo desse angu tem caroço". O verdadeiro esquema das relações revela um conservadorismo. E em nome disso os mais "´hábeis" controladores do sistema ousaram inventar as "pontes retráteis". Se a primeira vista o termo parece estranho, você logo identificará o que são. Eu falo das pontes construídas por puro interesse. Sou amiga da "fulana de tal" quando preciso dela pra alguma coisa e sei que ela pode me favorecer. Porém, quando ela passa por algum problema ou é vítima de uma fofoca injusta, eu retiro a ponte e a desconheço frente aos outros. É uma barra né? :-)
    Cris

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