quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Não deixe o samba morrer

O incêndio que destruiu mais de 8,4 mil fantasias de escolas de samba do Rio de Janeiro transformou em cinzas a alegria e o trabalho de muita gente. A tragédia calou, por alguns instantes, o batuque eterno que reina na Cidade do Samba. Não há dúvidas de que o Carnaval de 2011 não terá o mesmo sabor de anos anteriores: mesmo com os esforços para temperar a Marquês de Sapucaí, o amargo do acidente não será completamente esquecido.

O ocorrido me fez lembrar a importância que o samba tem para o eixo histórico cultural do Brasil. Muito além de um gênero da Música Popular Brasileira, suas raízes estão ligadas às lutas e à vida das populações mais pobres. Originalmente, as letras narravam episódios que têm relação com o cotidiano das baixadas e guetos, de modo que refletiam ideologias e soavam como um grito de liberdade de quem era silenciado pela voz do preconceito e da opressão.

Hoje, cada vez mais esquecido, o pedido de uma das maiores sambistas do país, Alcione, feito pela primeira vez em 1975, não pode nem deve ser deixado de lado: “Não deixe o samba morrer/ Não deixe o samba acabar/ O morro foi feito de samba/ De samba, pra gente sambar”, suplica a Marrom. Infelizmente, o lamento não vem sendo ouvido no século XXI e o incêndio nos becos do samba já começou há muito tempo. Não somente fantasias estão virando pó; o próprio samba, perdido na fumaça do abandono, é quem está correndo risco de vida.

Enquanto grandes nomes, como Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Beth Carvalho e até mesmo Alcione, vão perdendo espaço, o palco está sendo invadido por vozes que não se encontram nem fazem parte de um mesmo coro. Não se trata de simples saudosismo, e sim da consciência de que, atualmente, as letras do que costumam chamar de samba não passa de um borogodó desandado, que não contém o gingado das rodas de bamba nem o rebolado das morenas. Surgem os “sorrisos” da vida, que, de marotos, não têm nada; estão mais para risinhos amarelos. O samba de agora não encanta, não contagia, não dá vontade de dançar no sapatinho... Cadê o milagre dos pés mexerem apenas pelo encantamento? Ninguém sabe, ninguém viu. Tem gente cantando samba sem pandeiro.

O fogo na Cidade do Samba me remeteu ao que está acontecendo nos bastidores da MPB. Por todo canto, só se vêem cinzas, cinzas e, surpresa!, cinzas. A destruição do samba é similar a que atinge o funk, que surgiu como uma expressão do sofrimento e da exclusão social e que, hoje, não passa de um conjunto de palavras e xingamentos que não dizem nada de coisa alguma.

“Antes de me despedir, deixo ao sambista mais novo o meu pedido final: não deixe o samba morrer.” Pelo visto, o fogo e o barulho são tantos que ninguém está ouvindo mais a agonia deste velho guerreiro.

Um comentário:

  1. O cenário musical atual brasileiro está deveras um caos. Está sem ideologia, prevalece quem vende mais, abrem mão da qualidade em nome de vender bem. Eu me preocupo muito porque essa influência nefasta se reflete diretamente na escola, que era pra ser um lugar que melhorasse a qualidade intelectual do aluno. O que eu vejo por aí é que as escolas estão se rendendo, umas mais discretamente, outras nem tanto. Eu espero poder fazer alguma coisa, por menor que seja.
    Cris

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