segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Fantasias

Eu tenho as minhas, você tem as suas, o rapaz tímido que cruzou o seu caminho hoje de manhã tem as dele, e até a beata da esquina, que vive com a bíblia embaixo do braço, tem as dela. Não há quem possa suportar a realidade sem cultivar um punhado de fantasias.

Existem algumas épocas do ano das quais a gente vira refém, e carnaval é uma delas. Agora deram pra inventar que somente nestes quatro dias do ano é que podemos tirar nossas fantasias do armário. Milhares de pessoas estão economizando seus desejos para viver todos, de uma só vez, durante horas anestesiadas pela folia, durante momentos com a própria voz abafada pelo axé, durante situações em que a lucidez tem medo até da própria loucura. Não é à toa que muitos corações morrem de overdose ao longo do carnaval.

“Custei a compreender que a fantasia é um troço que o cara tira no carnaval e usa nos outros dias por toda a vida”. Palavras de João Bosco e Aldir Blanc, ícones da Música Popular Brasileira. Ao contrário do que muitos pensam, é no carnaval que quase todos se despem, utilizando por fora as fantasias que expressam aquilo que insistem em esconder por dentro.

Seria melhor se respeitássemos nossas fantasias enquanto elas fossem por inteiro, genuínas, originais de fábrica. Seria bem mais bacana se nosso bloco desfilasse quando desse na telha, quando a colombina que pula em nosso olhar resolvesse fazer bagunça na sala, quando nos desse aquela louca vontade de enfeitar a vida com confetes e serpentinas. O que me entristece no carnaval é perceber que é preciso tanto alvoroço para presenciar o trivial: a folia dos palhaços que trazemos guardados na saudade.

Entre fantasia e loucura há um pequeno, porém significante fio. Fantasia é acreditar que por um instante o céu conversa conosco, é vislumbrar na multidão o silêncio contido em todo aquele barulho, é se permitir fugir da sensatez por alguns momentos, é experimentar uma primeira vez de novo. Loucura é excesso, é falta, é a fantasia virada do avesso, é o desejo que sucumbiu.

Gosto mais das fantasias que deixamos para viver entre quatro paredes com aquela pessoa especial, dos nossos desejos mais íntimos e secretos, aqueles que nos reconciliam com nossa parte mais escondida e misteriosa. Fantasias que nos tornam melhores, que restabelecem nosso brilho no olhar, que nos convencem que a realidade não é nada sem um pouco de sonho.

De fato, as melhores fantasias são aquelas que não precisarão virar cinzas quando a quarta feira chegar.

2 comentários:

  1. a realidade nao é nada sem um pouco de sonho.
    a verdade é que não gosto do carnaval, mas o que vc disse sobre as fantasias tem toda razão.
    adorei a cronica,

    beijosmil amore (L)

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  2. Meu amigo brilhante!!
    Sinto sua presença todos os dias...

    Te amo S2

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