terça-feira, 12 de julho de 2011

Depressa demais

Embora eu não seja muito fã daqueles que usam Deus como um caminho para o estrelato e para conseguir alguns milhões à custa da fé do povo, confesso que o padre Fábio de Melo entrou para a lista dos pensadores que admiro. O discurso adotado pelo religioso é encantador: ele nos apresenta a um deus mais possível, digamos. O criador que o líder católico nos revela é menos rancoroso e mais parecido com as mães, não necessita de louvores 24 horas por dia para ser rei nem carece de tronos para governar quem quer que seja; está acessível na riqueza e no coração de quem ama, ao alcance de um abraço, sem burocracias ou honras demais para nos receber em seu colo.

Além disso, o lado escritor de Fábio de Melo também me fez admirá-lo. Li “Mulheres de aço e de flores” e “Cartas entre amigos”, dois livros que o padre escreveu, e gostei muito do que encontrei nas obras. Entre tantas, uma frase que desacelerou meu coração foi: “Eu queria te agradecer pelas inúmeras vezes que você me enxergou melhor do que sou. Pela sua capacidade de me olhar devagar, já que nessa vida muita gente já me olhou depressa demais”.

Bingo! O padre tocou em um ponto que a maioria das pessoas tem sido negligente: a pressa. Temos vivido apressados demais, sem tempo nem para resolver nossos assuntos pessoais, que dirá para olhar, com calma, para os lados, para quem nos cerca. A mulher é casada há dez anos, mas nunca reparou que, além da pinta no canto da boca, o marido também outras marcas que mancham seu sorriso. Dois jovens convivem num ambiente de trabalho e, embora se vejam todos os dias, nunca se repararam, nem sequer sabem que cor tem o olhar azul de quem parecia ter os olhos escuros. Olhamos depressa demais para os outros, nem sequer olhamos para nós mesmos.

Buscamos enriquecer a todo custo, deixamos de sonhar e só nos concentramos em comprar uma casa na praia, só pensamos em passar no vestibular, esquecemos de ir à conversa de pais na escola dos filhos para chegar a tempo numa reunião de negócios, abandonamos a poesia para conseguir ir à aula de inglês, deixamos de lado os amigos para não faltar à academia... Atropelados pelo tempo, encaramos as pessoas como se fossem páginas de jornal: basta uma olhadinha rápida para captar o “resumo da ópera” e olhe lá. O sorriso, as virtudes, os abraços, uma conversa pausada, enfim, tudo passa depressa demais diante de nossas janelas, como se viajássemos a 120 km/h pela vida e as paisagens ficassem embaçadas no exato momento em que passamos por elas.

Olhar devagar é perceber que sua filha pode até não cantar bem, mas daria uma ótima arquiteta. Olhar devagar é ter tempo para um amigo, que não vai te pagar por aquela conversa, no entanto, vai enriquecê-lo com jóias de verdade. Olhar devagar é insistir no sucesso daqueles que já desistiram, é se encarar no espelho e querer saber, sem pressa, quem ele está mostrando. Olhar devagar é notar o choro de quem parece sorrir, é observar sinais de temporal no horizonte daqueles que parecem fazer sol, é dar um stop e, frente à paisagem, contemplá-la, lentamente, como se os ponteiros do relógio de dentro tivessem parado e o tempo fosse nosso companheiro, e não um inimigo, como insistimos em vê-lo.

Mas, nem sabemos o que é stop. Vivemos olhando depressa demais, amando depressa demais, comendo depressa demais, esquecendo depressa demais, rejuvenescendo depressa demais, envelhecendo depressa demais, correndo depressa demais. Então, a vida passa num piscar de olhos, e, mesmo respirando, acabamos morrendo. Depressa demais.

2 comentários:

  1. Arrasou na cronica vi, muito bem articulada e escrita, e pontual, e infelizmente fidedigna a realidade, enfim resume as lacunas da vida, que por vezes só alguém que tenha o olhar azul como o céu percebe, mas Graças a Deus além de enxergar assim, você escreve, e nos da um stop para ler, refletir e quem sabe mudar atitutes, obrigado por ser atemporal. bjus

    Thiago Cardoso

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  2. lindo meu filho... Parabéns . te amoooooo.tua mamica

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